
A aula da saudade que ele proferiu na minha turma, há quase 2 anos, sempre ecoa na minha mente como uma lembrança que me faz chorar, pela transitoriedade das coisas. Ainda me lembro daquela frase: "Estranho esse sentimento que me restou. Aqui alegre e logo ali, tão triste." Foi exatamente assim que me senti quando fui chamada a vir morar em Brasília. A beleza dos poetas está, em justamente, saber definir sentimentos indeléveis. Crispim continuou me ensinando mesmo depois das minhas aulas acabarem. E vai continuar me ensinando durante todo o tempo que me restar.
E fico pensando nesse mistério da continuidade. Como as pessoas deixam reflexos em nós, como elas conseguem estar presentes mesmo quando ausentes.
Acho que isso acontece através do amor. O amor faz com que nossos atos, nossa fala, nossa personalidade sejam ecos daqueles que amamos.
Nesta semana eu escrevi uma cartinha para um menino que escreveu para o Papai Noel pedindo a roupa do homem-aranha. Na carta, ele dizia que comia mingau de fubá todos os dias e não via a hora de crescer para ajudar sua mãe,"botando dinheiro em casa". Mandei o presente e respondi a carta dizendo que era Papai Noel, mas que ele podia me chamar também de Papai do Céu.
Me lembrei muito de Crispim ao escrever a carta. Porque de algum jeito, o que ele escrevia ressuscitava algo em mim todos os dias. Eu gostaria muito de fazer com que aquele menino aprendesse a não desacreditar da vida - embora isso pareça tão difícil na situação dele- como um dia Crispim me ensinou.Da mesma forma que aquele meu professor um dia me ressuscitou dos dias em que a tristeza parecia me consumir, eu gostaria de devolver esta ressuição para alguém.
Acho que o sentido da vida está justamente na capacidade de ressuição que temos, seja de nós mesmos, seja de outro alguém, a quem nos cabe ressuscitar, tirar do sepulcro e mostrar que a vida ultrapassa um momento.
Quando respondi a Wenêdiom (o menininho da carta), quis imbuí-lo de um sentimento de esperança e da certeza de um amor escondido, que quase ninguém vê, mas que ele podia sentir a cada dia em que, mesmo triste, ele sonhava com um futuro melhor.
A gente consegue sonhar porque tem fé em alguma coisa. E acho que a tarefa mais urgente que temos na vida é de ter fé e de restaurar a fé que se perde a cada dia em que as coisas dão errado. Fé em si mesmo, fé na vida, fé em Deus.
Eu ando perdendo minha fé. Mas quando a perco, lembro da aura de Crispim, que parecia viver em um plano mais alto,mais claro,mais vivo. Como se a vida cotidiana fosse o pano, através do qual a verdadeira vida se escondesse. E essa vida tinha palavras lindas, cheiros, cores, personagens...Acho que Crispim anda feliz, porque agora não precisa mais do pano. O que resta é a Saudade. E como você mesmo dizia, professor:
"Deus quando insuflou o amor no coração dos homens, já combinou com a Saudade:
-Vais morar com o Amor, porém, só revelarás a tua face nos instantes em que os olhos já não puderem enxergar o que sente o coração.
Esse é o destino da Saudade.
Morar com o Amor, a vida inteira, e só mostrar o rosto na hora da partida."