Estou num lugar longíquo e especialmente propício para pensar. Me retirei, quase que compulsoriamente, da minha rotina para que eu pudesse ter um tempo verdadeiro para pensar na minha vida e me encontrar novamente. Decidi, então, vir pra um SPA e passar alguns dias aqui, onde até sinal de internet é restrito a 400 calorias!
Nesses dias, não tenho como descrever a sensação do que é ter um mar e uma rede durante o dia inteiro, e entre um e outro ter um jardim que nos permite sentar e meditar com o barulho das ondas. Descobri muito sobre tudo. Aprendi a me alimentar melhor, a me exercitar, a conviver, a respirar, mas sobretudo, passei esses dias aqui ouvindo muitas histórias.
Gente que veio por causa de um infarto, de uma separação, de um trauma, de uma cirurgia, gente que não gosta de si mesma, gente que gosta muito de si mesma, gente que ama, gente que odeia, gente efusiva, gente antipática, gente introspectiva,gente que não tem definição, dentre as quais me incluo.
Nunca pensei que uma simples tentativa de me desintoxicar, fosse tão além. Pensei muito em postar aqui algumas das histórias que ouvi, mas receio que, além de quebrar, ainda que eu não revelasse nomes, a confiança de quem conseguiu abrir-se comigo, as histórias são aprendizados que cada pessoa absorve de maneira diferente. E, se eu contasse, certamente iria interferir no mais bonito da história de cada um, que é justamente ser contada pelo próprio autor.No que diz respeito à minha própria, eu diria que vir pra cá mudou minha vida.
O tempo que a televisão e a ansiedade por um futuro sempre tão mais próximo do que realmente é, estavam roubando não apenas meu equilíbrio mental e físico, mas sobretudo, meu discernimento em selecionar só pensamentos e ações que fazem bem à minha vida como um todo.
Quando se dá atenção às questões menos importante ou àquelas mais urgentes, perde-se a capacidade de parar e se perguntar para onde estamos sendo "levados". Não é a vida que me leva, eu que devo levá-la para o lugar que eu desejo. Um lugar seguro, feito de cada decisão que a gente faz ao longo da nossa trajetória. Decisão, não empurrão.
Aqui, sem internet, tevê , coca-cola ou filme, comecei a indagar o que me fazia feliz. E comecei a perceber toda a negligência irresponsável em achar que minha vida já estava completa, com família, emprego, marido e bicho de estimação. Acho que, quando começamos a pensar no definitivo, a angústia também passa a ser perfeita e acabada.
Comecei a pensar nos meus sonhos de criança, a prestar atenção nas coisas que eu gostava, naquilo que me dava prazer. Praticamente conversei com todas as pessoas daqui e comecei a aceitar o fato de que quase todas elas conseguiam confiar em mim, e que eu me sentia extremamente feliz em ouvi-las. O desejo de estudar o comportamento humano ressurgiu ainda com mais força em mim.
Fazer psicologia, ensinar crianças, escrever, ter uma fundação...eram sonhos que pra mim haviam sido esquecidos num passado de vestibular. Pensava que havia escolhido "Direito" e mesmo que hoje para mim isso tenha sido "Errado", azar o meu. Mas, fiquei pensando no que são 5 anos de uma nova faculdade perto de uma vida inteira pensando naquilo que poderia ter sido e não foi. Precisei de 10 anos a mais pra decidir o que realmente queria estudar. E confesso que só de pensar em estudar outra coisa que não seja Direito Civil, já me sinto aliviada.
Meus sonhos mais secretos não só cresceram aqui, mas inundaram-me de vida, "de pulso que ainda pulsa".Hoje, eu começo a sentir o que todos falam, mas que, particularmente, eu achava um tremendo clichê: os sonhos nos movem. Confesso, pela primeira vez, que eu tenho vários sonhos. E quando eu sair daqui, vou realizá-los, sem que seja necessário prometer algo. Porque, como diz o grande Raul,
De coisas grandes prá conquistar
E eu não posso ficar aí parado...
E,pra terminar, gostaria de deixar registrado que meu "estalo" de sonhos veio acompanhado dessa música aqui (que, ironicamente, é da Amélie Poulain, uma moça que um dia permitiu-se ir mais além)...quem sabe não acontece com alguém aqui...