segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Hora de comer os livros...


“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? Assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”


(Clarice Lispector, sempre.)

domingo, 30 de dezembro de 2007

Aos leitores...

(ilustração: Pablo Gamba)


Esse blog nasceu em agosto de 2007, sem a mínima pretensão de ter um mínimo de leitores. Achava que as minhas diversas faces (ou alter-egos,quem sabe...) iriam formar platéia suficiente para escritos manuscritos,mal-escritos,rabiscos. Qual não foi minha surpresa ao me deparar com leitores, logo nos primeiros posts, alguns que eu sequer conhecia.É por isso que eu gosto tanto da vida. Ela, sorrateiramente,acontece no inesperado. Nas coincidências pra-lá de premeditadas. A música do Skank "Mil Acasos" bem que poderia ser o hino deste ano. Acasos que acontecem o tempo todo, e talvez visto lá de cima, formam uma bela engrenagem em que tudo faz sentido.


Em um destes acasos, fiz este blog e percebi o quanto escrever é algo que me seduz. Não achava,entretanto, que ninguém fosse gostar, até porque minhas palavras são fáceis demais, e o que eu escrevo talvez seja muito batido. Mas,como eu já falei, a vida nos surpreende e lia nos comentários coisas que jamais tencionei ler, ver frases minhas nos orkuts, textos meus passados por e-mail. Eu,tão acostumada a usar as palavras como forma de expressão, não encontro nenhuma para descrever a felicidade inebriante de ver tais coisas acontecendo comigo. Ouvir Dra.Karina dizer que meus textos poderiam ser publicados como livro e receber e-mail de editoras é algo muito além do que um dia sonhei. Não tenciono publicar nada agora, até porque, sinceramente, acho que Olavo Bilac tinha razão em empreender um grande esforço na feitura de um poema, quiçá de um livro! Pretendo qualificar minhas palavras, meu português, a maneira como descrever perfeitamente tudo o que imperfeitamente me vêm à cabeça.


Por isso, neste último post do ano, gostaria de agradecer, de todo o coração a todos os leitores deste blog. Com certeza, mesmo sem perceber, vocês me fizeram acreditar mais em mim, sabendo que, se minhas palavras ajudaram você em determinado momento, certamente é porque Deus me usou para chegar até aí, e servir de ponte é um dos propósitos mais nobres que uma pessoa pode ter. Que cada um de nós possamos ser pontes uns dos outros, fazendo com que deixemos uma marca positiva em cada um que passa na nossa vida (como diria a Madre Teresa,não devemos permitir que alguém saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz). Deus precisou me dar um estalo numa noite tediosa de agosto, para que eu escrevesse algo que mostrasse a alguém o quanto as coisas poderiam ser diferentes. Por isso admiro a engrenagem lá de cima, e acredito muito que qualquer coisa que nos aconteça, mesmo que pareça ruim à primeira vista, visto lá do alto, faz sentido.


Que você possa, em 2008, ver além, olhar como se fosse espectador, e não desanimar tão cedo. Os melhores filmes são aqueles em que misturam-se cenas de todos os tipos, permeadas de sentimentos, e que no fim, nos acrescenta tanto que passamos alguns dias inebriados com a história. Acho que a nossa vida é um filme, e só nos resta viver todas as cenas de acordo com o script escrito pelo "Diretor", que certamente, nos fez para ganharmos o Oscar! :)


sábado, 29 de dezembro de 2007

"É preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los,plantar roseiras sem pensar em colher rosas,escrever sem pensar em publicar,fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas. A música ... Este céu que nem promete chuva ... Aquela estrelinha que está nascendo ali... está vendo aquela estrelinha? Há milênios não tem feito nada, não guiou os Reis Magos, nem os pastores, nem os marinheiros perdidos...Não faz nada.Apenas brilha. Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil. Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a Beleza.No inútil também está Deus."


(Lygia Fagundes Telles)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

"Nós gatos já nascemos pobres, porém já nascemos livres..."


O fim-do-ano é uma época em que eu sempre fico meio deprimida. Isso não é incomum, e mesmo que o ano tenha sido bom (ou ótimo), essa sensação teima em aparecer. É como se pudéssemos enfim, parar e ter certeza que o tempo está passando e levando nossa vida aos poucos. A mãe de Jamil faleceu na noite de Natal. Meu sobrinho vai nascer no ano novo. Contrários. Partidas,Chegadas. Fim e Começo. Recomeço. Para desanuviar esses sentimentos de finitude, só mesmo a esperança em dias melhores. Vovó diz que os "Freitas" não esmorecem, sempre recomeçam mesmo diante das grandes quedas. Minha avó é uma mulher forte. Gostaria de ter toda essa fortaleza em mim, principalmente nessa época, mas às vezes é difícil.


Antes que eu jogasse a toalha,porém, Deus me mandou uma gatinha (isso mesmo,uma gata!) persa, branca como a nuvem e linda como são todos os filhotes. Eduardo,amigo de Daniel, me deu a filha de Baruc e Bellinha, a mais sapeca de todas.Ela chegou ontem aqui em casa.Logo eu, que não suportava gatos, me apaixonei por uma(A vida e suas surpresas...).De repente, me pego preocupada com a direção que Sofia toma, se ela vai se machucar, se ela está feliz, se já se alimentou. Mas o destino dela, infelizmente, não há como eu escolher. O máximo que posso fazer é ensiná-la os caminhos certos e preveni-la de que as tomadas são perigosas.


Quando ela vai pro banheirinho dela depois que eu ensinei, me sinto recompensada. O bom é que mesmo quando ela erra, eu sorrio, compassivamente. Sei que um dia ela aprende.


Deve ser assim que Deus age conosco. Chegamos com um propósito (no caso de Sofia, ela veio pra alegrar meu fim-de-ano) e vamos descobrindo a vida aos poucos. Deus nos ama mesmo quando erramos o caminho. E nos recebe de braços abertos quando voltamos machucados ou em estado de choque pelas estradas erradas em que andamos. O bom disso tudo é que o amor de Deus por cada um de nós é muito maior que o meu por Sofia. E se eu já me alegro quando ela brinca com o barbante, esquecendo da dor de ter se separado da mãe, imagine o que Deus sente quando nos sentimos esperançosos em dias melhores...mesmo diante do fim. Do ano.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007


Voltaire uma vez falou que a primeira lei da natureza seria perdoar reciprocamente nossas tolices, já que, como seres humanos , estamos sempre empedernidos de debilidade e erros. Seria bom se assim fosse, mas o fato é que, além de não perdoar diferenças, não sabemos conviver com elas. O ato de conviver por si só já é difícil, porque implica em termos que exercitar virtudes não tão comuns, como a paciência e o respeito. Mais do que isso, escutar o outro e desvendá-lo pelo indizível não é tarefa fácil para quem não possui interesse em perceber as belezas indevassáveis de cada um.
O que- sinceramente- sei é que para quem está "no alvo", é quase uma súplica interior que cada julgador implacável do outro lado saiba que não pode tomar o lugar de Deus na hora do julgamento. O que quero dizer com isso é que, ao se formar uma opinião sobre alguém, qualquer que seja, devemos incluir na conta o que não sabemos sobre elas. E talvez, depois dessa soma, não haja resultado a ser comprovado. Porque as pessoas não "devem" ser, elas simplesmente são.
A música do Titãs fala da dor que cada um traz no coração, e eu adicionaria à letra tudo o que ronda esta parte que, metaforicamente, detém todas as emoções do mundo em um só lugar. Meu pai sempre diz que "coração é terra que ninguém anda" e essa frase carrega em si todo o peso da falibilidade que qualquer julgamento apressado pode conter. Não raras as vezes a imagem que alguém transmite de si é totalmente diversa daquilo que realmente é.Ninguém sabe do outro, sequer de si próprio, a não ser do que se sente, pela inevitabilidade do sentir. Assim como as palavras deste texto nem sempre se mostram fiéis à intenção do que pretendo expressar, as pessoas em sua gênese, encontram-se nas entrelinhas, naquele espaço abstrato que ninguém é capaz de alcançar.
Portanto, sejamos mais amenos nas opiniões formadas sobre todos (parafraseando o mestre Raulzito) que despejamos por aí. Cada um sabe quem escolhe para conviver, mas a ninguém é dado o direito de ensinar como viver. Até porque ninguém sabe mesmo...

"Teu coração baterá com força, sem que ninguém escute."





(Caio Fernando de Abreu)

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

(Foto: Larissa M.Diniz)

Em uma cidadezinha do interior chamada "Pasárgada", havia muitos pássaros. Dentre eles, o Gabo, um pardal que adorava livros. Vivia lendo, escrevendo e tinha fama de intelectual na cidade. Quase não tinha amigos, já que era muito caseiro e sossegado, vivendo sempre na sua Jabuticabeira, em um bairro nobre da Pasárgada. O Dr. João-de-Barro era o prefeito da cidade e detestava ser chamado apenas de Seu João. Mas todo mundo só chamava "Seu João".

Seu João, depois de ter sobrevoado Brasília em um encontro de políticos, e ter visto árvores lindas e organizadas estrategicamente, resolveu fazer reformas na cidade assim que chegou. Trouxe a Águia Niemeyer -arquiteta famosíssima pela visão ampla de espaço-, e começou a implementar as reformas. E nesse interím, a Jabuticabeira do Gabo foi incluída como área a ser desapropriada. O projeto era transformá-la em uma grande praça, com imensa área de lazer, incluindo o 'autopiste', importado dos EUA, em que os pássaros, mediante singela contribuição, comeriam alpiste à vontade,diminuindo os problemas sociais do lugar e gerando uma sensível distribuição de renda entre a população.

Gabo beirou a loucura. Mesmo com a indenização, a Jabuticabeira era seu lugar sagrado! Era sua casa, desde que sua mãe faleceu e seus irmãos voaram para terras distantes. Mesmo assim, as reformas continuaram. Depois de ter passado várias noites na boemia, Gabo estava na sarjeta. Desiludido,não achava mais razão em continuar vivendo. Eis que, sentado na calçada, pensando em se jogar no rio, o pardalzinho escuta o Rouxinol cantar.

Mesmo de longe, a música invadiu seu espírito. Algo reacendia dentro dele, como um sopro divino que o fazia acreditar no poder de suas asas. Levantou-se. Devagarinho, abriu suas asas e tentou voar. Desacostumado, caiu várias vezes. Mas o vento ajuda quem tenta voar, e Gabo alçoou vôo. Voou a noite inteira, vendo paisagens nunca antes imaginadas! Tudo era tão maior, tão bonito que,sentindo-se inspirado, teve coragem de visitar sua antiga casa novamente. Não sentiu saudades, apenas a certeza de que havia nascido para o Céu.

Escreveu uns versos, tomados de inspiração:


Rouxinol tomou conta do meu viver

Chegou quando procurei

Razão pra poder seguir

Quando a música ia e quase eu fiquei

Quando a vida chorava mais que eu gritei

Pássaro deu a volta ao mundo brincava

Rouxinol me ensinou que é só não temer

Cantou se hospedou em mim

Todos os pássaros, anjos dentro de nós


De repente, chega Clarice, uma pardalzinha também sem rumo, encantada com os versos de Gabo.E naquele momento, não havia mais nenhuma lágrima. Só a poesia.


p.s: A música de Gabo é interpretada, para nós humanos, por Milton Nascimento.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

"Minha herança,uma flor"

Um dia, o "Jardineiro Fiel", aquele que cuida do imenso jardim da vida, olhava para algumas de suas plantas e percebeu que alguns vasos estavam rachados. Nestes vasos, havia espécies muito diferentes convivendo juntas, e cresceram tanto que não cabiam mais no mesmo espaço. Quando começaram a murchar, o jardineiro viu que precisava tirá-las de lá, porque já eram grandes demais para um vaso tão pequeno. Isso aconteceu com três vasos do jardim.



Então, o jovem jardineiro pensou na estratégia de deixar apenas uma das espécies naqueles vasos menores, e transferiu as outras, mais delicadas e raras, para um grande vaso.


Podou cada uma delas e deixou apenas as sementes das três convivendo no mesmo espaço. Dizia que a semente continha o essencial, o mais importante para que cada uma delas pudesse se desenvolver. Assim, as três sementes estavam no mesmo espaço,embora não entendessem por quê. Cada uma não se conformava por ter sido retirada dos respectivos vasos.

"-O meu vaso era meuuuu, eu que tinha de estar lá!", dizia uma.

"-Agora só quero mostrar para aquele vaso caquético que brevemente estarei em um de porcelana, muito melhor...", bradava outra.

"-Eu era muito simplória para um vaso tão perfeito..." , chorava a outra.


Passaram alguns meses falando de suas histórias. Não notavam que, a cada dia, cresciam.


A terra era fértil e o jardineiro assegurava a força do cultivo. Adubava, regava somente de vez em quando, para que elas percebessem que, para sobreviver nas horas mais secas do dia,elas precisavam encontrar a força acumulada no interior de cada uma. Quando começaram a crescer, viram que suas semelhanças ajudavam a conquistar suas diferenças. Cada uma podia se desenvolver conforme o sol, para um lado ou outro já que a terra favorecia a individualidade, ao mesmo tempo em que abrigava suas fragilidades, como uma estufa que acolhe as espécies nas horas de frio.


Após quase um ano, as três espécies se desenvolveram tanto que não cabem mais no mesmo vaso. Tristes, percebem a hora de se despedir.O Jardineiro já sinaliza as mudanças e prepara um novo vaso, maior, para cada uma de suas espécies raras. Em cada um deles, pôs o adubo do amor, a água da esperança, a consistência da fé. Arrumou cada um em uma prateleira ampla, mais alta, sobre a qual é possível enxergar as demais espécies de longe, como partes de um jardim que se completa.

No último dia em que estavam no mesmo vaso, perceberam no que haviam se transformado. Depois de sair de vasos partidos e entristecidos, podaram as dores e mágoas, fortalecidas pelas raízes da amizade, regadas com paciência e amor pelo jardineiro, descobriam-se lindas flores... uma era um lírio rosa, outra um girassol, outra uma orquídea.

O plantio chegou ao fim, e agora, abre-se o tempo da primavera, em que certamente essas pequenas flores desabrocharão... em todo seu esplendor.



p.s:Agradecimento especial a Luana Girassol e Mª Virgínia Orquídea, pelo vaso compartilhado na Esma e pelas raízes permanentes da nossa amizade.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Espelho,espelho meu...

Devia ter estudado Processo Civil a tarde inteira, mas confesso que não resisti e assisti todo o julgamento da ação penal contra Ronaldo Cunha Lima, no STF. Comecei a ver os votos dos ministros, se estes iriam (des)considerar a ardilosa manobra que o ex-deputado fez, a fim de evitar seu julgamento pelo Min. Joaquim Barbosa, que certamente o condenaria. Antes que me acusem de maranhista,ou cassista ou qualquer outro jargão do tipo, confesso que não tenho predileções por nenhuma das partes. Nenhum paga minhas contas e por isso mesmo, posso ser imparcial. Aliás, posso ser parcial, mas do lado certo. Mas como saber o lado certo sendo parcial? Dialéticas à parte, voltemos ao assunto.


O que vi, além de algumas boas argumentações jurídicas, sobretudo, do ministro Carlos Ayres Britto( enquanto o que eu mais gostava, Celso de Mello, me decepcionou com seu dogmatismo enfadonho...), foi um verdadeiro desfile de vaidades. O ministro Joaquim Barbosa, com o devido respeito (ou venia, no jargão jurídico), colocou-se em um pedestal de moralidade que beirava muitas vezes a demagogia. Eu estava inteiramente a favor do julgamento ser mantido no STF, para não abrir precedentes para os mensaleiros de plantão,mas arrogância não ganha disputa, e o ministro pecou nesse quesito. De outro lado, a vaidade do outro Ministro, Gilmar Mendes, era de enojar qualquer um. É impressionante como o poder embriaga, corrompe, infla o ego dos pobres mortais (pois é, eles são pobres mortais, quem diria...).


Nem precisamos ir longe para perceber que a vaidade está em todos os lugares, em seus mais variados aspectos. O Brasil tornou-se um país vaidoso demais. O presidente, os ministros, os partidos, todos com suas grandes vaidades, até determinados guardas de trânsito, policiais, serventuários da justiça...estes sofrem do que eu chamo de síndrome da pequena autoridade, que os fazem se sentir muito além de nós, pobre cidadãos, que temos que agradar muito,sorrir a todo instante e ter paciência de Jó,a fim de receber um atendimento condizente com o que a lei diz ser obrigação do servidor público.

Também no tema de outras vaidades, o Brasil é campeão. A população torna-se cada vez mais sedenta por um corpo, rosto, alma perfeitos, a lotar as academias, os salões de beleza, as clínicas de cirurgia plástica. E claro que me incluo neste rol, apesar de lutar contra todas estas futilidades que às vezes me seduzem. É difícil viver aqui sem se sentir mal por estar acima do peso, mesmo que seja por 2kg a mais. Mais difícil ainda quando se tratam de 20, 30 kg a mais.Como dizia o Eclesiástico,“tudo é vaidade" e nada permanece. Por isso, luto para que em mim só sobre o essencial. Ainda que com 2 kg a menos...