sexta-feira, 27 de março de 2009

"Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas… Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros.De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo.”

(C.F.Abreu)

quarta-feira, 25 de março de 2009

Para Seu Renato.


Papai,

Hoje é seu aniversário e se eu tivesse coragem suficiente, ou apenas aquela que vai além de dizer "parabéns, pai, eu te amo", eu diria que você ainda é o meu herói, ainda que seja mais parecido com o Chapolin e não com o Super-Man, que eu sinto falta de ter menos de 1,20m pra você me contar histórias, que eu pareço ter todas as lágrimas do mundo nos olhos quando falo de você. Se eu pudesse te falar o quanto você é importante para mim, eu diria para você enxergar meu coração e descobrisse ali um amor profundo por você, aquele tipo de amor que não se esvai, que não agoniza, que não morre. Se eu tivesse coragem, eu te diria tanta coisa,mas pobre de mim, pai, eu não aprendi a falar,ainda que eu saiba escrever. A minha sorte é que hoje eu posso te dar um abraço e talvez na hora em que eu beijar sua testa, você possa entender meus sinais, entender que eu ainda não sei amar direito, que meu coração é um terreno desconhecido para mim e que do amor eu não sei dizer,só sei sentir.
Mas quem sabe,Pai, um dia a gente possa mentir pra gente mesmo só um pouquinho, porque eu queria tanto ainda ter 6 anos e te dizer sem pudores que eu te amo, ainda que eu nem soubesse o tamanho da força dessa frase, e ser retribuída com um abraço alto, no céu, tendo a certeza de que eu estava voando pelos braços do meu super-pai que tinha super-poderes. Eu queria tudo isso,Pai, mas a vida me transformou nessa droga de adulta que só consegue murmurar um "parabéns, pai ,te amo" e esconder as lágrimas, porque parece que neste mundo desarranjado, só sobra espaço para o que a gente se acostumou a ser, e não para o que pulsa em nós.
De toda forma..."parabéns, pai, eu te amo."

segunda-feira, 23 de março de 2009

A morte da culpa.

Hoje fui a um velório de um parente não muito próximo, e mesmo assim,sempre que vou a ocasiões como essa, algo em mim grita, pedindo para eu não deixar a vida escapar. Mais do que isso, hoje a morte do meu parente teve um aprendizado diferente, talvez até eu nem tenha conseguido captar.
Meu primo de 2º grau era apaixonado cegamente pela mulher,e descobriu que estava sendo traído. Desiludido, bebeu muito, foi andar de jet ski, faltou gasolina,e num gesto (im)pensado, mergulhou, tentando nadar de volta à beira do lago. Não conseguiu resistência para tanto e, engolindo água, morreu afogado. A mãe dele culpou a esposa pela morte. A mulher culpou a indiferença do marido pela traição. O marido, agora morto, culpava o amante, oportunista. Todos no velório culpavam o tempo: "um rapaz tão novo!"
E começo a pensar sobre um dos piores sentimentos do mundo: a culpa.
Sempre que erro,me sinto culpada. Sempre que erram comigo, culpo. E nesse jogo de erros e culpados, a gente acaba esquecendo do velho clichê de que somos humanos, falíveis. Não acho com isso, que devemos esquecer nossos erros, e simplesmente não lembrar dos que erraram conosco. Eu só acho que é preciso (des)culpar. Parar, de uma vez por todas, de carregar um troço que só faz mal, que só nos deixa piores, que só nos faz piores.
Eu não me culpo de nada, e acho que sou uma máquina de errar ambulante. Vivo errando, e como diz a música do Kid Abelha, "vou errando enquanto o tempo me deixar". Mas eu me perdôo. Definitivamente, eu escolho o que levo na minha bagagem. E se eu erro, sofro e me puno, das mais diversas formas. Quase sempre eu não preciso me punir, porque a própria vida já se encarrega de fazer isso. Errar dói. Principalmente quando a gente erra com quem a gente gosta. Mas o aprendizado vem, e na maioria das vezes, a vida nos coloca do outro lado, vivendo a mesma situação, para que a gente possa, enfim, aprender de um jeito prático, a se pôr no lugar do outro e não fazer tanta besteira. Mas é preciso, sempre, perdoar. Sobretudo, perdoar a nós mesmos. E perdoar é se livrar de culpas e de culpados.
Fiquei imaginando tudo isso ali, olhando para as coroas de flores carregadas de mensagens fúnebres. Pensei " pra quê adianta pensar em quem foi o culpado se o coitado já nem sente mais nada? Nem mágoa, nem raiva, nem amor, nem p... nenhuma?". Me perdoem pelo tom, mas eu não tô aguentando tanta alienação, tanta besteira, tanta hipocrisia desse mundo onde a gente se acostumou a viver.
Nos últimos erros das pessoas comigo- e sinceramente, têm sido muitos!!-eu não consigo mais ficar muito tempo ruminado a raiva. Eu só passo a régua, e sigo em frente, sem tanto drama. Sofro, e muito, mas não banco mais a vítima, de um alto de um pedestal que faz doce em perdoar ou não os pobres mortais que a fizeram sofrer. Pode soar frio e calculista ( e definitivamente, não é isso), mas eu apenas perdôo. Só que agora eu escolhi perdoar sem ressalvas. E perdoar sem ressalvas te dá a incrível liberdade de escolha, entre deixar ou não aquela pessoa fazer parte da sua vida novamente. Quando sinto que poderia apenas desculpar, e no meio da vida, culpar aquela pessoa de novo, prefiro perdoar de vez e escolher não voltar a conviver com o maldito (hehe). Porque se for pra pseudo-perdoar, e jogar na cara de quem nos fez sofrer, que, um dia, naquele ano de 1780,ele nos fez sofrer, é melhor jogar limpo e dizer, à La Capitão Nascimento: "perdeu,playboy." E simplesmente,seguir adiante,sem culpas de nenhum dos lados.
E se for pra perdoar e aceitar o outro de volta na nossa vida, é preciso esquecer (sim, sim, e não acreditar naquela frase ridícula:"perdoar não é esquecer". É sim! quando não se esquece o fato, deve-se esquecer a pessoa!) e tentar recomeçar, seja lá como for. E recomeçar não é remendar laços desfeitos,mas construir outros, novos. Talvez até melhores, que é quando a gente começa a construir laços verdadeiros, sabendo quem o outro é, e o que podemos esperar dele e vice-versa.
Enfim, acho que é preciso tentar simplificar o máximo a vida, nem que para aprender isso o caminho seja extremamente complicado.
E escolher viver sem culpas...até que a morte nos separe.

sexta-feira, 20 de março de 2009

"Um dos grandes problemas da vida é entrar em relacionamentos com a fantasia de ser protegido ou cuidado. Esperar que um namorado a proteja da necessidade de ser uma pessoa real é um risco. Se ele fracassa, você fica amargamente desapontada. Pior ainda se ele consegue: você não será ninguém!"
Carl Whitaker

quarta-feira, 18 de março de 2009

Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca ...
Caio Fernando Abreu
E de repente, o carro bateu na minha perna acompanhado de um barulho de freio. Por um instante, molhada até os pés pela tempestade, eu vi que toda minha vida poderia ter terminado ali, em 3 segundos intermináveis. E Deus me sacudiu de um jeito tão incisivo e tão claro, que eu entendi tudo. A começar por enfiar na cabeça ,de uma vez por todas, que eu estou viva. E lembrei da minha avó me chamando de "viva" e me ocorreu que essas letras não sejam tanto um apelido, mas um imperativo.
E tem horas que tudo faz um tremendo sentido.

segunda-feira, 9 de março de 2009

quinta-feira, 5 de março de 2009

Senhor, tende Piedade!

Ontem eu voltei do Recife pegando uns 32 ônibus antes de chegar no carro da minha carona, em Paulista. Mas, embora seja péssimo enfrentar um calor escaldante carregada de malas e apreensiva em não ser assaltada, eu acho bom andar de ônibus. Quando não estou sabendo da história de quem está do lado, eu fico olhando pela janela a beleza do cotidiano, e como há beleza! Gente suando a camisa (literalmente) pra ganhar o trocado de cada dia, vejo mulheres que deixam os filhos penteados e limpos na escola e correm (tb literalmente) pra pegar outra condução pro trabalho, vejo os dizeres das pichações ( confesso que algumas me fazem rir: "respeite o próximo!" riscado numa parede branca de uma casa...), vejo também aqueles que enfretam o sol a pino para vender água no sinal e vejo também aqueles que enfrentam o mesmo sol para furtar.

Mas ontem eu não vi muita coisa porque estava mais interessada na história da Maria da Piedade, que mora em...Piedade! Ela odeia o nome dela, embora eu tenha dito que achava muito bonito. Mulata de batom vinho e cabelo penteado (e bem puxado) pra trás, tem 27 anos e 2 filhos. O pai das crianças abandonou a família para "ficar com uma nega dos cabelos pintados daquele louro horroroso de Joelma do Calypso,sabe?", e ela ficou com os dois filhos pra criar. A mãe não a aceitou de volta em casa e Piedade foi à luta. Nunca deixou os filhos faltarem um dia de aula, mesmo que não tivessem o que almoçar. Trabalhando nas casas "de família" conseguiu alugar um barraquinho e ter a casa sempre "limpa, porque ser pobre não é ser imundo não." Conseguiu, só Deus sabe como, terminar o segundo grau estudando à noite e tentou uma vaga para ser auxiliar de serviços gerais em uma indústria, em Olinda.

Para conseguir essa vaga, o candidato não devia ter apenas o 2º grau completo, mas também ter noções de inglês! Quando ela me falou isso, disse, com raiva: "até pra limpar m... a pessoa tem que falar inglês?". Caímos na risada e ensinei como falar "shit!" da próxima vez! Enfim, Piedade passou nos testes, superando outros milhares de candidatos, inclusive "gente formada!", e estava indo se apresentar levando as certidões criminais para provar sua boa índole."Ah, menina, fui lá na Justiça Federal, gastei 2 passagens, depois fui aí nesse fórum( estadual) e a infeliz da juíza não estava aí pra assinar. Já pensou se por causa disso eu perco o emprego?".

Depois de narrar toda sua odisséia, eu pergunto a ela quanto, afinal, valia esse esforço todo.Ela iria ganhar R$500,00 (quinhentos reais) por mês para trabalhar das 8h às 18h.Me doeu no coração saber que o esforço de Piedade valia só isso. Mas como ela disse, "pelo menos, tem carteira assinada e é uma coisa certa. Pior é a maioria do povo lá da rua que não tem nem o dinheiro da feira."

Como eu sempre penso, o mundo é injusto. Mas quando vejo histórias como a da minha companheira de ônibus, percebo que existem almas que fazem toda a diferença. Como seria bom se existissem mais Piedades no mundo, que "levantam, sacodem a poeira e dão a volta por cima".
Quando dei um abraço nela, depois de 1h de conversa e muitos anos de amadurecimento a mais, desejei boa sorte e dei meu telefone, caso ela precisasse de ajuda algum dia. Ela agradeceu e me garantiu que, se ligasse, seria pra me dizer que passou no vestibular.

Ao vê-la saindo do ônibus, lembrei de uma música que eu adoro do Cazuza, e a dedico para minha querida Piedade, com a prece de algum dia, muitos sejam "iguais a você":


Blues da Piedade

Agora eu vou cantar pros miseráveis
Que vagam pelo mundo derrotados
Pra essas sementes mal plantadas
Que já nascem com cara de abortadas

Pras pessoas de alma bem pequena
Remoendo pequenos problemas
Querendo sempre aquilo que não têm

Pra quem vê a luz
Mas não ilumina suas minicertezas
Vive contando dinheiro
E não muda quando é lua cheia

Pra quem não sabe amar
Fica esperando
Alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada

Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem

Quero cantar só para as pessoas fracas
Que tão no mundo e perderam a viagem
Quero cantar o blues
Com o pastor e o bumbo na praça

Vamos pedir piedade
Pois há um incêndio sob a chuva rala
Somos iguais em desgraça
Vamos cantar o blues da piedade

Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem