sábado, 29 de agosto de 2009

Lya Luft

As coisas boas

“Acho nosso momento tristíssimo. Mas vejo muita gente fazendo coisas positivas, jovens ou velhos com esperança, pessoas espalhando o bem.”
Recebo e-mail de um jovem de 16 anos reclamando, num texto lúcido e bem escrito, de que sou pessimista. Pois escrevi na última coluna que “ninguém faz nada”, quando, segundo ele, eu deveria dar uma mensagem esperançosa a quem quer “mudar o mundo”. De alguma forma, isso me comoveu. Quase todos queremos melhorar o mundo na juventude, e é bom querer não ficar rançoso, amargo ou queixoso na idade adulta. Pior ainda, chato na velhice. Sou esperançosa e otimista, por isso mesmo não posso escrever apenas sobre coisas amenas, e infelizmente não tenho mensagem nem receita para o mundo melhorar. Pois eu sou apenas mais uma pessoa que de um lado se alegra, de outro se aflige. O número espantoso de leitores desta revista me dá uma sensação de comprometimento com a não-alienação. Escondendo a realidade é que não se vai poder mudar ou melhorar coisa nenhuma.

Acho nosso momento tristíssimo. Até jornais estrangeiros importantes, que em geral não nos dão bola, registram os fatos que andam ocorrendo no Senado e em outras instâncias solenes como “coroamento da corrupção brasileira”. A impressão que se tem, que eu tenho, é que ninguém anda fazendo grande coisa, ou pouca gente faz alguma coisa para melhorar. Escrever que “ninguém faz nada” é uma hipérbole literária, é como dizer, sem realmente querer dizer isso, “morri de ódio”. Acho, sim, que muitos responsáveis não fazem nada, ou fazem o mal: desviam ou aplicam de maneira irresponsável dinheiro destinado aos pobres, desprezam a educação e a cultura, cospem na saúde, enganam uma montanha (não, um verdadeiro Everest…) de gente que merecia coisa melhor.

Mas também vejo muita gente fazendo muita coisa positiva, gente querendo acertar, jovens ou velhos com esperança, pessoas espalhando o bem. Cada vez que um de nós é leal com alguém, faz uma coisa boa; cada vez que respeitamos o outro com suas diferenças, seus dramas e necessidades, fazemos uma coisa boa. Cada vez que somos decentes em vez de perversos, cada vez que cultivamos compreensão e respeito em lugar de rancor, cada vez que somos carinhosos, alegres, solidários, fazemos coisas muito boas.

Cada vez que um jovem estuda, trabalha, e se constrói como pessoa produtiva e positiva, faz algo muito bom. Cada vez que um pai presta atenção no filho, cada vez que uma mãe é dedicada sem depois cobrar isso, fazem uma coisa boa. Cada vez que alguém fuma seu último cigarro, bebe seu copo derradeiro, cheira sua ultimíssima carreirinha e dá o primeiro passo numa nova vida, faz uma coisa maravilhosa. Sempre que alguém recusa uma baforada de maconha, negando-se a homenagear os traficantes que amanhã vão matar seu filho ou trucidar seu amigo, está fazendo uma coisa muito boa.

Quando olhamos uma árvore na beira da estrada, a luz do sol num gramado, a chuva na vidraça, a criança observando um besouro, um bebê dormindo, um velho rodeado pelos filhos, estamos fazendo uma coisa muito boa; cada professor mal pago que atende com dedicação seus alunos, cada médico de uma saúde pública apodrecida que cuida com humanidade de seus doentes faz uma coisa muito boa. Sempre que uma mulher aproxima os filhos do pai mostrando que ele é um ser humano, está fazendo uma coisa boa; cada filho que abraça o pai que já não o pode sustentar faz uma coisa boa. O político que rema contra a correnteza permanecendo honrado faz uma coisa muito boa.

Fazem-se muitas coisas boas neste mundo, e por isso ainda não nos matamos. Por isso ainda estamos abertos ao belo, ao bom e ao outro. Por isso vale a pena viver. Mas, sinto muito, o ser humano é um animal predador: o desejo de destruir e arruinar coexiste em todos nós com a bondade, a decência, a dignidade. Que fazer? Somos assim. Se pudermos estar do lado do bem, querendo melhorar o mundo, viva! As coisas não estarão perdidas, a amargura não vai nos dominar, a sombra acabará fugindo da claridade, e continuaremos sendo, mais que feras, humanos. Mesmo quando alguém escreve sobre as realidades menos bonitas, elas não precisam prevalecer. E muita gente continuará fazendo muita coisa boa, aos 16 anos, aos 68 ou aos 86.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Drummond

Infância

Meu pai montava a cavalo,
ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia
Eu sozinho, menino entre mangueiras
lia história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:- Psiu... não corde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito
E dava um suspiro... que fundo !
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009


Às vezes fico me perguntando como nós, pobres seres humanos mortais, podemos ter a chance de nos transfigurar em seres divinos e eternos pela força do amor.
Quando vejo essa foto da minha irmã em um nítido gesto de amor com meu (lindo!) sobrinho, fico me perguntando se precisamos mesmo de um paraíso longíquo e ilusório para experimentar a eternidade.
O amor nos faz melhores, nos faz diferentes e ao mesmo tempo, tão iguais. Quando me sinto triste ou sem perspectivas de futuro, lembro que talvez a minha grande possibilidade no mundo seja apenas experimentar esse sentimento, e isso faz toda uma existência valer à pena.
Quando lembro de Renan e começo a desejar profundamente que ele seja saudável e feliz por todo o tempo em que ele estiver nesse mundo, fico pensando que naquele instante em que só desejo a felicidade de outra pessoa, o amor se torna real e concreto, capaz de me fazer chorar sem motivo, ou que este motivo seja um fim em si mesmo: o amor. E acredito no amor não como um substantivo, mas como verbo- amar- que surge nas atitudes e nos nossos gestos mais simples.
E é maravilhoso poder observar que cada um descobre o seu próprio jeito de amar, como naquele poema da Adélia Prado em que ela descreve uma mãe muito braba que nunca dizia que amava a filha, mas lhe penteava os cachinhos molhados antes da menina ir para a escola. E antes que eu chore lembrando de como minha mãe se parece com essa que Adélia descreveu, penso que talvez minha missão na vida seja justamente essa: perceber o amor ali, escondido pelos cantos.
Duas frases de Kant tiveram um especial significado para mim nestes últimos dias, mas depois eu escrevo sobre isso, prometo.

"Toda reforma interior e toda mudança para melhor dependem exclusivamente da aplicação do nosso próprio esforço."

"A moral, propriamente dita, não é a doutrina que nos ensina como sermos felizes, mas como devemos tornar-nos dignos da felicidade."

(Kant)

sábado, 8 de agosto de 2009


-Vou ao supermercado, não abra a porta pra ninguém, não importa quem seja, ok?
-Ok.
(...)
-Mamãe!! E se for a Felicidade?

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Traumas
Composição: Roberto Carlos e Erasmo Carlos

Meu pai um dia me falou
Pra que eu nunca mentisse
Mas ele também se esqueceu
De me dizer a verdade
Da realidade do mundo
Que eu ia saber
Dos traumas que a gente só sente
Depois de crescer
Falou dos anjos que eu conheci
No delírio da febre que ardia
No meu pequeno corpo que sofria
Sem nada entender
Minha mulher em certa noite
Ao ver meu sono estremecido
Falou que os pesadelos são
Algum problema adormecido
Durante o dia a gente tenta
Com sorrisos disfarçar
Alguma coisa que na alma
Conseguimos sufocar
Meu pai tentou encher de fantasia
E enfeitar as coisas que eu via
Mas aqueles anjos agora já se foram
Depois que eu cresci
Da minha infância agora tão distante
Aqueles anjos no tempo eu perdi
Meu pai sentia o que eu sinto agora
Depois que cresci
Agora eu sei o que meu pai
Queria me esconder
Às vezes as mentiras
Também ajudam a viver
Talvez um dia pro meu filho
Eu também tenha que mentir
Pra enfeitar os caminhos
Que ele um dia vai seguir
Meu pai tentou encher de fantasia
E enfeitar as coisas que eu via
Mas aqueles anjos agora já se foram
Depois que eu cresci
Da minha infância agora tão distante
Aqueles anjos no tempo eu perdi
Meu pai sentia, sentia o que eu sinto agora
Depois que cresci
Meu pai tentou, tentou me encher de fantasia
E enfeitar, enfeitar as coisas que eu via

Romance

Sou suspeita pra falar de um filme de Guel Arraes, com Wagner Moura, Bruno Garcia e Vladimir Brichta no elenco, e que mistura cordel e Lajedo de Pai Mateus no meio, mas eu adorei o filme "Romance". Principalmente pelo romance...
Ah! Neguinha
Deixa eu gostar de você
Pra lá do meu coração
Não me diga nunca não

Teu corpo combina com meu jeito
Nós dois fomos feitos muito pra nós dois
Não valem dramáticos efeitos
Mas o que está depois...