domingo, 25 de abril de 2010

Sentindo o sentido...

Neste fim-de-semana pude me sentir feliz apenas em ver de perto cavalos marinhos, na praia de Maracaípe-PE. Depois de tocar naqueles bichinhos miúdos, mergulhei e quando emergi, me senti diferente a ponto de pensar que, como ser fragmentário que sou, tinha trocado uma parte de mim por outra. Quando subi para respirar eu simplesmente, respirei fundo, olhei o encontro do mar com o rio, e contemplei a simplicidade das coisas. Era como se Deus estivesse ao meu lado, olhando junto e me indagando suavemente: "é tão simples, não é mesmo?"

Pensei em telefonar, mandar e-mail, avisar de alguma maneira a tanta gente que eu amo, da descoberta inenarrável que eu havia feito naquele minuto: a vida é simples. Logo depois, comecei a substituir os sentidos pelos pensamentos, e quando me dei conta, ela se foi de mansinho. A felicidade sorrateira, não quer muito pensamento, quer apenas tato, alma, fé.

Comecei a investigar meus próprios pensamentos e descobri que eles me roubam constantemente de mim mesma, do meu momento, do meu presente. Meus pensamentos repetitivos, de ansiedade, de preocupação, de lembranças que não me fazem bem, de angústias que dão nó-de-marinheiro no peito...tudo isso me rouba de mim.

Quando percebi que, novamente, meus pensamentos de ligar pra dizer o que eu tinha sentido, acabavam me fazendo esquecer o que eu sentia, eu parei. Respirei fundo. Pedi desculpa a Deus e perguntei: "é simples, né?" Vou tentar. E me permiti passar o dia inteiro sem pensar muito. Minha mente parecia um macaco a pular de galho em galho sem saber o que pensar para parar de pensar, mas eu consegui enganar a fome de pensamento e me alimentei só de sentidos que não engordam minha massa cinzenta. Quero ter essa massa magra, leve.

Treinei meus cinco sentidos: Senti o cheiro de vida nova, fresquinha, saindo do forno; enxerguei como tudo pode ser mais fácil e como eu tenho o poder de complicar demais, experimentei o sabor doce do amor incondicional por viver, peguei um cavalo marinho na mão e deixei escorrer pelos dedos minhas ânsias de um futuro programado, e , por fim, ouvi Deus me dizer de algum jeito, que o sentido da vida que sempre procurei, talvez traga em si mesmo a resposta...a vida tem "sentidos".

p.s: Só pra ilustrar, Fernando Pessoa (amado!), sendo Alberto Caeiro, disse tudo isso que acabei de falar,muito mais gabaritadamente, lindamente, e resumidamente nesses versos aqui:

"Não basta abrir a janela
para ver os campos e o rio.
Não é o bastante não ser cego
para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela."

segunda-feira, 5 de abril de 2010



"Compreendi, então, que a vida não é uma sonata que, para realizar a sua beleza, tem de ser tocada até o fim. Dei-me conta, ao contrário, de que a vida é um álbum de mini-sonatas. Cada momento de beleza vivido e amado, por efêmero que seja, é uma experiência completa que está destinada à eternidade. Um único momento de beleza e amor justifica a vida inteira."

(Rubem Alves)

Casamento
(Adélia Prado)

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.

Eu não.
A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.