domingo, 14 de dezembro de 2008

Sem as cortinas

Faz uma semana que meu professor favorito, Luiz Augusto Crispim, faleceu. Eu não pude ir ao velório porque estou a muitos kms de distância, mas confesso que mesmo se estivesse em João Pessoa não teria ido. Não faria sentido ver alguém, que me ensinou sobre transcendência, estático na minha frente.
Crispim não me ensinou muita coisa de Ética Jurídica, nem sobre o que cairia desta matéria no exame de ordem. Mas me ensinou a viver poeticamente. Com os textos que ele escrevia todos os dias no jornal local (e que, infelizmente, não tinha mais acesso há alguns meses) eu me sentia como Sancho Pança, que sentia sua ignorância e racionalidade dissipar-se com os devaneios de Dom Quixote.
A aula da saudade que ele proferiu na minha turma, há quase 2 anos, sempre ecoa na minha mente como uma lembrança que me faz chorar, pela transitoriedade das coisas. Ainda me lembro daquela frase: "Estranho esse sentimento que me restou. Aqui alegre e logo ali, tão triste." Foi exatamente assim que me senti quando fui chamada a vir morar em Brasília. A beleza dos poetas está, em justamente, saber definir sentimentos indeléveis. Crispim continuou me ensinando mesmo depois das minhas aulas acabarem. E vai continuar me ensinando durante todo o tempo que me restar.
E fico pensando nesse mistério da continuidade. Como as pessoas deixam reflexos em nós, como elas conseguem estar presentes mesmo quando ausentes.
Acho que isso acontece através do amor. O amor faz com que nossos atos, nossa fala, nossa personalidade sejam ecos daqueles que amamos.
Nesta semana eu escrevi uma cartinha para um menino que escreveu para o Papai Noel pedindo a roupa do homem-aranha. Na carta, ele dizia que comia mingau de fubá todos os dias e não via a hora de crescer para ajudar sua mãe,"botando dinheiro em casa". Mandei o presente e respondi a carta dizendo que era Papai Noel, mas que ele podia me chamar também de Papai do Céu.
Me lembrei muito de Crispim ao escrever a carta. Porque de algum jeito, o que ele escrevia ressuscitava algo em mim todos os dias. Eu gostaria muito de fazer com que aquele menino aprendesse a não desacreditar da vida - embora isso pareça tão difícil na situação dele- como um dia Crispim me ensinou.Da mesma forma que aquele meu professor um dia me ressuscitou dos dias em que a tristeza parecia me consumir, eu gostaria de devolver esta ressuição para alguém.
Acho que o sentido da vida está justamente na capacidade de ressuição que temos, seja de nós mesmos, seja de outro alguém, a quem nos cabe ressuscitar, tirar do sepulcro e mostrar que a vida ultrapassa um momento.
Quando respondi a Wenêdiom (o menininho da carta), quis imbuí-lo de um sentimento de esperança e da certeza de um amor escondido, que quase ninguém vê, mas que ele podia sentir a cada dia em que, mesmo triste, ele sonhava com um futuro melhor.
A gente consegue sonhar porque tem fé em alguma coisa. E acho que a tarefa mais urgente que temos na vida é de ter fé e de restaurar a fé que se perde a cada dia em que as coisas dão errado. Fé em si mesmo, fé na vida, fé em Deus.
Eu ando perdendo minha fé. Mas quando a perco, lembro da aura de Crispim, que parecia viver em um plano mais alto,mais claro,mais vivo. Como se a vida cotidiana fosse o pano, através do qual a verdadeira vida se escondesse. E essa vida tinha palavras lindas, cheiros, cores, personagens...Acho que Crispim anda feliz, porque agora não precisa mais do pano. O que resta é a Saudade. E como você mesmo dizia, professor:

"Deus quando insuflou o amor no coração dos homens, já combinou com a Saudade:
-Vais morar com o Amor, porém, só revelarás a tua face nos instantes em que os olhos já não puderem enxergar o que sente o coração.
Esse é o destino da Saudade.
Morar com o Amor, a vida inteira, e só mostrar o rosto na hora da partida."