segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Retornando...



Se um dia um demônio aparecesse na sua frente e lhe dissesse que tudo o que você fez até hoje, todas as escolhas, incluindo conquistas e derrotas, sofrimentos e prazeres, seria repetido indefinidamente, estando você condenado a viver para sempre a vida que escolheu viver, o que você sentiria? Alívio ou Desespero? Angústia? Medo? Paz? Essa era a lei do Eterno Retorno, de que Nietzsche tanto falava. Pelo que eu entendi na minha modesta inclinação filosófica de cada dia, essa "lei" nos mostrava a necessidade de assumirmos a responsabilidade por nossa vida como se ela fosse repetir indefinidamente.

Ora, se eu soubesse que tudo irá se repetir mais tarde, certamente terei mais cuidado nas escolhas que faço hoje. Essa ideia faria com que não nos preocupássemos tanto com a noção de céu e inferno, vidas passadas ou futuras, mas sim com a nossa vida atual, presente, concreta e pulsando por ser bem vivida. Talvez fosse por isso que o filosófo alemão era radicalmente contra igrejas e credos, por talvez impedirem o sujeito de assumir a responsabilidade pelo seu próprio destino. 

Fico pensando em como harmonizar tantas boas ideias ao que eu pressinto em relação à vida, e apesar de guardar as devidas proporções, essa ideia de Nietzsche me atrai. Ela me dá um norte sobre como me portar  diante das minhas escolhas. Se eu fizer sempre as mesmas escolhas, provavelmente (ou invariavelmente) terei os mesmos resultados. Repetindo os mesmos atos, até mesmo inconscientemente, eu vou deixando que um hábito (e não uma escolha refletida e analisada) possa decidir sobre meu destino. Complexo? Nem tanto. Percebo que as grandes questões que nos paralisam são quase sempre as mesmas. Sai ano, entra um novo, e surgem situações em que o ciclo vicioso se renova: e aí, o que você decidirá desta vez? Decidimos quase sempre a mesma coisa, e acabamos do mesmo jeito. "O mesmo jeito" é o confortável, o que já nos acostumamos. Fazer diferente e correr riscos? De jeito nenhum. Ficamos aqui, no mais do mesmo. E assim, ao economizarmos a energia que a força do hábito nos proporciona, vamos seguindo sempre à margem do que poderíamos ser.

Não sei até que ponto essa é uma escolha (in)consciente. O que sei é que, ao ver as mesmas cenas de um capítulo anterior estando em um novo capítulo, deveríamos acender nosso 'pisca-alerta'. Parar e pensar na Lei do Eterno Retorno, se aquilo é o que eu desejo que se repita indefinidamente na minha vida. Nunca esqueço de como consegui entender Kant e seu imperativo categórico pela primeira vez na minha vida: Foi quando, ao acabar a aula de Ética, perguntei ao meu saudoso Professor Luiz Augusto Crispim o que significava toda aquela ideia que me confundia tanto, e que me fez não entender uma só palavra do livro "A Fundamentação da Metafísica dos Costumes". Ele me disse, gentilmente: 'Vivianne, basicamente a ideia é a de que deveríamos agir como se nossos atos fossem virar leis universais a ser seguidas por todas as pessoas.'

E essa ideia resume muito bem todo esse texto: Como seria se nosso comportamento fosse repetido indefinidas vezes, por toda nossa vida? Se nosso comportamento hoje tivesse sido filmado para se transformar em um modelo a ser seguido, como nos sentiríamos? 

De toda forma, amanhã eu prometo sorrir para, quem sabe, sair melhor na "fita". ;)


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Tic- Tag...

Não consigo dormir. Quase duas da manhã, o silêncio da madrugada é interrompido pela profusão dos meus pensamentos: será que estou preparada para ser mãe? será que é a hora certa? será que minha vida vai acabar? aliás, se eu morrer, quem vai cuidar do meu filho? será que meu marido vai aguentar tanta mudança? e eu, será que vou? e nosso futuro? será que vamos ter dinheiro para mandar nosso filho estudar fora?

Para os desavisados, prazer, meu nome é TAG- Transtorno de Ansiedade Generalizada. Sou muito ansiosa, mas sempre me controlei porque sei dos efeitos nefastos desse defeito infeliz. Quase sempre convivo bem com minhas neuroses, sabendo que, de perto, ninguém é mesmo normal, e para os que assim se consideram, eu desejo que continuem se iludindo, é bem melhor. Enfim, yoga, leituras, alguns remédios ocasionais, terapia de vez em quando,  música e  religião sempre foram meus bálsamos contra a ansiedade e acho que nessa luta diária quase sempre eu ganhava.

Mas desde que me descobri grávida, no dia 21/06/12, ando em um terreno desconhecido, entre o completo encantamento com a vida e o temor enlouquecido de não dar conta da responsabilidade que Deus me concedeu. Tive um descolamento ovular há quase duas semanas e estou de repouso absoluto desde então. Eu imaginava que quem tivesse esse privilégio de não fazer absolutamente nada e com um álibi fantástico (afinal, todos dizem que vc tem de repousar...), deveria se esbaldar em livros, filmes, sorvete e mimimis. Mas comigo está sendo justamente o contrário. Fico pensando que a partir do momento em que meus hobbies viraram "obrigação" eles perderam a graça, e o que me restou de conforto foi escrever cartas para meu futuro filho (ou filha ;)). Confesso nelas que sempre achei que a maternidade seria um esplendor, e via sempre uma mãe perfumada, com longos cabelos ao vento, flutuando sobre um jardim de flores como uma escolhida para gerar um novo ser. Eu ainda acho essa imagem linda, mas quando me vejo no espelho, com um cabelo "ruim" que eu nunca tive, apavorada com certas listras vermelhas (estrias!) que começam a aparecer e com um buraco negro no estômago que já me fez engordar 4kg, fico pensando que pareço muito mais uma "Bridget Jones" na fase "mãe" do que uma fada encantada.

Acho até que o bebê ri de mim, e talvez até ele seja sarcástico e diga: "Você ainda não viu nada, mãe..." Mas sabe por que eu continuo escrevendo para ele e isso tem sido minha válvula de escape para não me sentir inútil? Estou descobrindo, aos poucos e diariamente, no que consiste o verdadeiro amor. Eu não achava que o amor era "feinho", como falava minha querida poetisa Adélia Prado. Sempre achei que o amor devia ser clichê, "Lindo". Pois, meu amor pelo meu filho é feinho, abusado, me deixa gorda e melodramática. Esse amor me faz chorar quando vejo qualquer cena. Uma mãe amamentando, um pirralho andando de skate, meus olhos veêm tudo como uma cena teatral. Parece que tudo se tornou muito mais claro, muito mais intenso e profundo. Esse amor me faz galopar com meu coração a cada ultrassonografia. Ver um filho se formando é como mergulhar em um terreno divino, do qual eu não sei absolutamente nada. Pela primeira vez entendo perfeitamente o que quer dizer aquela frase "dois corações batendo em um só corpo". Fico pensando no milagre que é ter mais um coração dentro de mim. Depois, ele sairá de mim e levará meu coração junto. É surreal demais para minha cabeça. Mas acho tão bonito que nem acredito que sou eu que estou vivendo isso.

Ainda não ter completado o primeiro trimestre é como passar por um teste diário de controle de qualidade, e não há como não se preocupar e temer que possa dar algo errado. Mas eu acredito que Deus está me ensinando a ser mãe a partir dessas preocupações. Não há como não se preocupar, mas o controle das coisas que nos acontecem nunca foi completamente nosso. Acaso, destino, coincidências, epifanias...acho que tudo só vai fazer sentido no final, quando contemplarmos tudo o que nos aconteceu.

Eu não ia escrever nada disto aqui, mas não me contive em debulhar neste canto, minhas inquietações. Em um sonho distante, mas quem sabe, real, este bebê que agora eu espero, pode já ter nascido, crescido e estar lendo as memórias da mãe louca que ele escolheu, cujo coração aumentou duzentas vezes de tamanho, só para que nele caiba o imenso amor que sinto. Amo sem saber para quem, nem quando, nem por que eu o amo tanto. Mas amo como uma necessidade urgente, como algo que há muito tempo está guardado para este momento e preciso dizê-lo, pois assim retiro sua poeira. E é para meu bebê que dedico este poema lindo da Adélia:


O que precisa nascer

tem sua raiz em chão de casa velha.
À sua necessidade o piso cede,
estalam rachaduras nas paredes,
os caixões de janela se desprendem.
O que precisa nascer
aparece no sonho buscando frinchas no teto,
réstias de luz e ar.
Sei muito bem do que este sonho fala
e a quem pode me dar,
peço coragem.



Adélia Prado, em A duração do dia