terça-feira, 28 de junho de 2011

Fazendo as Pazes


Mexi no blog pra ver se ficava mais parecido comigo. Será que ficou? Suspeito que sim, porque por mais que mude meu "design", a essência é quase sempre a mesma. Como diria nosso grande Dom Heldér Câmara, "é preciso mudar muito pra continuar sendo sempre o mesmo". Às vezes faço o inverso do conseho- não mudo nada e me transformo em outra pessoa exatamente pela inércia que me corrompe.

Tenho tentado ficar longe daqui para estudar. Mas sinto falta de escrever, e sinto tanto, que quase todo dia escrevo um "post" completo em minha mente sem falar uma palavra. Quase sempre não consigo expressar o que penso. Pior ainda se me pedirem pra falar sobre. Sempre digo que "meto os pés pela boca", e não pelas mãos. As mãos me controlam. Me ajudam. Me livram do pesar que é falar sobre qualquer coisa que não se consiga expressar ou definir com exatidão. Por isso sou tão apaixonada pelas letras. Quando escrevo, consigo pensar.

Nesses últimos dias fiquei pensando no quanto precisava voltar a escrever aqui, sobretudo pelas imensas besteiras que falo, ou conselhos que dou a quem não precisa, ou reclamações que faço por algo que no fundo, não me incomoda. Falar, falar, falar. Sempre é meu grande erro.

Quando escrevo, me sinto em paz. Quando estou emocionada- seja por uma emoção boa ou ruim- minha voz fica alterada, e sempre me confundo no que realmente quero dizer. Ou então, falo como uma perita no assunto, e faço tudo ao contrário, porque no fundo, não acredito em uma só palavra que eu digo. Pode parecer contraditório e você pode me achar alguém não confiável, o que pode ser verdade, quem vai saber? Mas, pelo menos, eu tento ser melhor a cada dia. Embora eu esteja certa que ainda estarei repletas de falhas, até mesmo de caráter, tudo depende do julgador.

O que eu gostaria hoje é apenas pedir desculpas, um perdão sincero a quem magoei por dizer o que não devia, ou mais do que devia, ou que, simplesmente não me era necessário dizer. Nem sempre a gente fala o que é certo simplesmente porque na maioria dos casos, o que é "certo" é uma escolha pessoal. Não quero "colonizar" ninguém dizendo o que cada um deve ou não fazer, já advertia Saramago. Parece fácil para muitos, mas para mim esse é um grande desafio.

Sempre penso que a pessoa não sabe do potencial que tem, ou está cega para ver algo cristalino, e quase sempre me "acho" no direito de dizer o que deve ser feito ou evitado. Quer saber? Cansei de tudo isso. Ninguém sabe o que é melhor pra outra pessoa. Minto. Talvez um terapeuta- comportamental possa saber quando nossa mente trabalha contra nós mesmos. Ou ainda que que pais e mães realmente saibam que o caminho que o filho escolheu pode ser perigoso, e tenebroso. E verdadeiros amigos podem nos mostrar outro lado de uma situação a qual só vemos passionalmente. Não obstante, embora existam essas e outras exceções, na grande maioria dos casos, a gente dá conselhos a quem está passando por situações que só dizem respeito à própria pessoa.

Quem sou eu, afinal, pra dizer o que é certo a se fazer quando eu mesma não dou conta dos meus próprios problemas? Se faço isso, talvez eu deva me achar mais conhecedora da situação, portanto, tenho "experiência" no assunto. Balela. Cada circunstância, cada fato, cada pessoa é um universo particular, no qual não podemos oferecer nenhum paradigma, ainda que os casos possam se repetir. Estou farta de ter opiniões. Apesar delas sofrerem constantes mutações (como esta, por exemplo), estou desejando apenas viver e sentir, sem ter de dar opinião sobre qualquer coisa. Quero de volta o meu direito de dizer "Sei lá, faz o que você achar certo" e ponto final.

Acho que estou amadurecendo, enfim.

E amadurecer talvez signifique percebermos que todos nós temos nossos vícios e virtudes, e "atire a primeira pedra quem não tiver pecado". E é claro que, quando começamos a tomar consciência de nós mesmos, o primeiro sentimento que nos surge é a angústia. Como se ao menor movimento da alma, pudéssemos experimentar a sensação de que não somos senão uma pequena migalha de humanidade e por sermos migalha, pó, não só não devemos, mas não podemos nos sentir "mais" ou "melhor" do que verdadeiramente somos.

Mas, sempre volto a dizer, que acredito e me reafirmo na graça de Deus. É só por acreditar nEle que, mesmo diante da insignificância, tudo parece se encaixar em um sentido maior. E é nEle que encontro conforto para que, ao esbarrar nos meus limites, eu não desista de querer me tornar um ser humano mais evoluído, melhor.

Luiz Felipe Pondé cita, em um de seus livros, um trecho de George Bernanos, no Jornal d´un curé de campagne, que explicita bem esse conforto: "Não fosse pela vigilante piedade de Deus, parece-me que, à primeira consciência que tivesse de si mesmo, o homem se desmancharia em poeira."

Mas, enfim, estamos vivos. E somos de carne e osso. Não de poeira. Tampouco de ferro. ;)


"Se um homem encara a vida de um ponto de vista artístico, seu cérebro passa a ser seu coração."

(Oscar Wilde)









(Quadro de Picasso)

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Um conto de Clarice, sempre ela.

"Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade.
Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso "fosse mesmo" o que eu sentia - e não possivelmente um equívoco de sentimento - que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre.
E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos.
Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado poderia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? no rato? naquela janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é que eu não O via mais.
Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar - não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele - mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua reputação.
... mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe."

LISPECTOR, Clarice. Perdoando Deus. In: Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

"Leave the Kids Alone"- Luiz Pondé


DE FATO existem pessoas racistas. Homofóbicas, antissemitas (que hoje em dia se escondem atrás do antissionismo), que não gostam de pobres e de nordestinos. Pessoas assim barateiam o debate contemporâneo, assim como as que simplificam as trincheiras teóricas em que vivemos nos últimos anos, jogando tudo no mesmo saco do "reacionarismo". Como se o mundo permanecesse nos limites de um "centro acadêmico em guerra contra a repressão da ditadura".

Acho que muita gente tem saudades dos tempos da ditadura porque se sabia onde estava o mal. Será mesmo? Nem tanto. Muita gente ainda não sabe que a luta armada no Brasil foi feita por pessoas que queriam fazer do país uma ditadura de esquerda. Tivessem eles vencido, estaríamos hoje numa grande Cuba.

Mas como seria bom se o mundo fosse simples assim, preto no branco, amigos e inimigos, bons e maus. Não é. Na maior parte do tempo é cinza e confuso.

O debate ao redor do "politicamente (in)correto" incendeia a mídia. Pessoas querendo "mudar" Monteiro Lobato, querendo "curar" gays e "decretar" que não devemos corrigir o português dos pobres porque isso é ruim pra autoestima deles.

Tenho preconceito contra essa gente que vive pensando na "economia da autoestima", sorry...
Tomemos como exemplo o debate sobre a luta pelos "direitos gays".

O STF aprovou a união civil dos homossexuais. Vou mais longe: acho que deveriam ter o direito de se casar também e de ter filhos. E de ir às reuniões chatas de "pais e mestres". E de ficar pobres como os héteros por causa dos filhos. E de descobrir que pouco importa sua "visão de mundo", você estará sempre errado diante de um filho que cresceu.

Acho que quem "bate em gay" deve pagar não porque bateu num gay, mas porque gay é gente como todo mundo. Sou contra leis especiais que protejam gays. Complicado? Sinto muito.
Se um professor interrompe um menino e uma menina que se beijam na sala de aula é ok, mas, se fossem dois meninos, seria "homofobia"?

Hoje os jovens (e todo mundo) têm medo de dizer qualquer coisa que não seja "gay é lindo". Não há nada de revolucionário em ser gay, nem existe uma "comunidade gay". Gays são pessoas atoladas nas mesmas misérias e erros humanos. Neuróticos, como todo mundo, com sofrimentos específicos.

E aí chegamos a uma questão que me parece muito representativa dos equívocos do debate ao redor da "questão gay" (um belo exemplo do fascismo do politicamente correto): o pretenso direito de o Estado querer discutir "a heterossexualidade como normatividade sexual".

Intenções como essas representam a tendência totalitária do Estado moderno em querer se meter em assuntos que não são da sua competência. O governo não tem que se meter a dizer a ninguém o que é "sexualidade normal". Isso é um crime contra a liberdade. E isso vai acabar "batendo" na sala de aula. E, como ninguém sabe direito o que está fazendo na sala de aula, essa nova "modinha" vai pegar.

Já disse em outras ocasiões que sou contra a tal da educação sexual quando pretende discutir "ideologias sexuais". Como pai, tenho todo o direito de suspeitar da sanidade mental de uma professora de educação sexual, porque em matéria de sexo todo mundo é mal resolvido. Se as famílias são um lixo e por isso exigem das escolas o que elas não podem dar, as famílias das professoras também são um lixo.

Imaginemos uma aula de educação sexual na qual vá se "questionar a normatividade" (ou normalidade) da heterossexualidade. Como seria uma aula dessas?Que tal assim? Meninos e meninas colocando com a boca uma camisinha num pênis de plástico para, quem sabe, perceberem que meninos também podem gostar de fazer sexo oral em meninos.Ninguém tem o direito de fazer isso. Nem pai, nem mãe e muito menos professores que, provavelmente, ao se dedicarem a isso, "provam" suas pequenas taras.

O Estado deve dar o direito aos gays de viverem como os héteros e mais nada. Não deve se meter a dizer o que é normal. As pessoas têm o direito de sentir o mal estar "que quiserem". E deixem os filhos dos outros em paz.

ponde.folha@uol.com.br