domingo, 18 de setembro de 2011

Corredores

Estou, neste momento, entre a Vida e a Morte. Não, graças a Deus ou simplesmente porque ainda não cumpri minha missão, eu não estou agonizando ou prestes a partir (quer dizer...sempre estamos prestes a partir, não?). O que quero dizer é que estou no corredor do 5º andar do Hospital da Unimed, onde a internet é melhor. O corredor separa a ala dos bebês e mamães, da ala dos pacientes pós-cirúrgicos, que precisam de muito cuidado. Como não me encaixo em nenhuma categoria, já que é o meu marido que está do lado de lá (entenda-se: ele não é bebê nem mamãe), transito entre os dois mundos: o da alegria e o da tristeza, o da beleza e o da miséria, entre o resplendor e a dor, entre os quais não existe rima, nem verso, nem prosa.
Quando esta dor que aperta o coração, que dói na alma de quem só deseja, no leito e prostrado, a saúde na vida, saio da ala dos humilhados e vou para a dos exaltados, onde tudo é contentamento. No lugar da placa "ProibidoVisitas", há em cada quarto um convite à celebração em conjunto, são muitos "Cheguei!" inundados de alegria, enquanto na outra ala os pacientes só querem uma única placa- "Fui pra casa!".
Enquanto transito entre esses dois mundos fico pensando que talvez a vida seja exatamente isto: um caminho onde não há nenhuma ala permanente, e quando não estamos entre os extremos, talvez estejamos apenas no corredor. Não da morte, mas o corredor da Vida. Vida esta que não nos avisa quando teremos "alta" de algum lugar para o outro, apenas pede que, seja qual for nosso lugar, que estejamos preparados, principalmente para quando tivermos que partir.
Toda esta fase difícil me ensinou muita coisa, principalmente me fez fazer as pazes com Deus. Me sinto muito mais íntima dEle, sinto sua presença quase que tangível, e essa sensação tem me dado as três coisas que mais preciso neste momento: fé, força e paciência. As três estão intimamente interligadas e não subsistem sem a outra. E tal como os extremos da vida, no dizer de Pe. Fábio de Melo, Deus também me move, como uma roda gigante: me traz para terra, me leva pro céu.
E é por isso que eu sei que, esses bebês que agoram trazem alegria, também vão trazer tristeza. Porque a vida é feita de contrários, o tempo todo. E é por isso que essa música fala tão alto ao meu coração hoje, e é com ela que termino o post, sem jamais terminar a minha esperança.

Contrários

Só quem já provou a dor
Quem sofreu, se amargurou
Viu a cruz e a vida em tons reais

Quem no certo procurou
Mas no errado se perdeu
precisou saber recomeçar

Só quem já perdeu na vida sabe o que é ganhar
Porque encontrou na derrota algum motivo para lutar

E assim viu no outono a primavera
Descobriu que é no conflito que a vida faz crescer

Que o verso tem reverso
Que o direito tem o avesso
Que o de graça tem seu preço
Que a vida tem contrários
E a saudade é um lugar
Que só chega quem amou
E o ódio é uma forma tão estranha de amar

Que o perto tem distâncias
E o esquerdo tem direito
Que a resposta tem pergunta
E o problema, a solução
E o amor começa aqui
No contrário que há em mim
E a sombra só existe quando brilha alguma luz.

Só quem soube duvidar
Pôde enfim acreditar
Viu sem ver e amou sem aprisionar

Quem no pouco se encontrou
Aprendeu multiplicar
Descobriu o dom de eternizar

Só quem perdoou na vida sabe o que é amar
Porque aprendeu que o amor só é amor
Se já provou alguma dor
E assim viu grandeza na miséria
Descobriu que é no limite
Que o amor pode nascer





domingo, 11 de setembro de 2011

"Você precisa ser forte"

Eu me lembro que quando eu fui, pela primeira vez na minha vida, para uma "recuperação" no Colégio, foi na disciplina que eu mais odiava: Educação Física. Não pelo fato de eu ser sedentária ou algo parecido,já que até os meus 17 anos eu fazia parte da vencedora equipe de nado borboleta da Paraíba, mas porque eu odiava minhas pernas finas e meu quadril não-desenvolvido, e era obrigatório o uso daquele short horroroso da escola. Aquela pequena roupa azul denunciava explicitamente tudo o que eu mais detestava em mim, e o pior: a denúncia também era feita para as meninas que eu mais detestava das outras turmas. Enfim, o fim do mundo para uma adolescente típica (e eu era típica messsmo, do tipo de falar "que saco!" para tudo).
Diante da notícia que eu poderia simplesmente repetir de ano por causa de uma matéria que eu considerava a mais inútil de todas, fui conversar, implorar, suplicar, e argumentar com a professora Fabíola, que ao mesmo tempo me amava e me odiava por odiar sua aula (Fabíola querida, não eram as abdominais que me faziam sofrer...), sobre o que eu poderia fazer para passar sem ter que passar pelos meus medos. Um trabalho sobre o corpo humano, mil provas sobre articulações, ossos, sei lá. Quando eu desisti de tentar convencê-la, ela simplesmente me passou uma série de exercícios, incluindo uma série para bíceps e tríceps com bastante peso, e diante da minha relutância, ela simplesmente disse "Você precisa ser forte". Como um esboço do Capitão Nascimento, a professora queria que eu desenvolvesse meus músculos e deixasse de fazer corpo mole.
Levei tão ao pé da letra que acho que durante toda a minha vida eu repeti para mim mesma essa frase da minha professora. Mesmo quando a dor- física ou espiritual- me consumia, eu sempre dizia a mim mesma: "Você precisa ser forte". Foi com esta atitude que passei nestes últimos dias por maus momentos com meu marido, que está sofrendo desde o último domingo, quando as dores dele começaram, assim como nossa peregrinação por hospitais, médicos e diagnósticos. Na quinta-feira, enfim, ele foi submetido a uma cirurgia de emergência de uma apendicite aguda, já supurada em virtude da demora no diagnóstico. Ele teve complicações, e o pós-operatório está sendo doloroso e difícil. Não dormimos há uma semana. Quando ele tira um cochilo de uma ou duas horas, eu aproveito para estudar tudo sobre a doença, vídeos de cirurgia, antibióticos, tudo que possa me esclarecer sobre o que está acontecendo com Elias.
Não estou dormindo, não tenho vontade de comer, nem de me olhar no espelho. Só penso nele e no seu bem-estar, se o soro acabou, se a barriga continua distendida, se a sonda está funcionando direito. Às vezes eu nem me lembro que eu, Vivianne, existo. E de repente, eu paro e descubro o que, enfim, é o amor. O Amor de verdade, que não ama para si, mas para o outro. Quando me pego de joelhos, enxugando os pés do meu marido após lhe dar um banho, eu penso em quanta coisa o Amor é capaz de fazer. E o quanto nossa visão sobre a vida pode mudar radicalmente de uma hora para outra. Estou, por exemplo, torcendo para que Elias possa soltar um pum. Sim, eu odiava isso. Mas agora só o que eu quero neste momento da minha vida é que meu marido possa soltar os gases que estão o impedindo de respirar direito.
Ontem foi um dos piores dias da minha vida, em que tive um medo real, quase palpável, de perder meu companheiro. Quando esse medo não me largava mais, mas ao mesmo tempo, a fé me segurava, eu repetia comigo a frase de Fabíola- "Você precisa ser forte"- e esse mantra me fez ficar alerta durante todo o dia, observando tudo e em plena atividade de 'enfermeira-chefe'. Mas quando chegou a noite, o médico não deu bons prognósticos, e a chuva caiu torrencialmente sobre o terraço do Hospital, eu olhei para uma grande nuvem que passava no Céu e perguntei a Deus quando aquela tempestade ia passar. Ali mesmo, naquele banco do terraço, eu fechei os olhos e tive uma visão muito bonita de Nossa Senhora, me dizendo : "Você não precisa ser forte". Chorei incontrolavelmente durante uma hora. Depois, fui pra Capela, rezei mais, entreguei Elias nas mãos de quem sabe o que fazer, falei com algumas pessoas queridas no telefone, desabafei e voltei ao quarto. Coloquei uma pequena imagem de N.Sra.de Fátima nas mãos de Elias, falei pra ele conversar com Ela, comi uma coxinha (enfim, um prazer!) e voltei. Ele tinha adormecido. Depois de algumas horas de sono, ele tinha mudado completamente. Estava bem mais sereno, pediu para ir ao banheiro e fez xixi, depois de quase um dia inteiro sem urinar.
Nesta hora eu chorei. Senti que eu, enfim, tinha deixado que Deus assumisse o controle e que tudo daria certo. Esqueci a frase de Fabíola e aliviei meu coração pensando apenas em Nossa Senhora me lembrando a todo tempo que eu não preciso ser forte. Pelo menos, não preciso ser forte sempre. :)


p.s: Mais sobre a história de N.Sra.de Fátima- http://www.quiosqueazul.com.br/2009/05/nossa-senhora-de-fatima.html.