domingo, 28 de setembro de 2008

"De olhos bem abertos"


Um belo dia eu acordei de um jeito diferente. Ao abrir os olhos, tive a certeza de que aquele era o primeiro dia do resto da minha vida. Até aquele momento, parecia que eu nunca tinha aberto os olhos. Quando enxerguei pela primeira vez, vi que a minha cama era macia, e meu travesseiro tinha o meu cheiro, impregnado de sonhos. Naquela manhã, olhei pro céu e vi que o infinito era o limite de tudo, que as nuvens eram moldadas de acordo com o que pensávamos delas, e que o canto dos passarinhos que acordam cedo eram a melodia mais gostosa de se ouvir. No dia em que enxerguei pela primeira vez, vi que o primeiro copo d´água da manhã abria espaço para purificar a minha alma por inteiro. O pão tinha o melhor gosto do mundo e o café parecia o suco que os ursinhos gummy tomavam pra conseguir realizar qualquer tarefa impossível.
Olhei pra minha avó e comecei a chorar por nunca tê-la visto tão linda, cheia de linhas no rosto que denunciavam um tempo bem vivido. A Sabedoria naquele momento para mim, se chamava Vovó Tina. Dei-lhe um beijo na testa e "saí pra ver o sol", como dizia o Zeca Baleiro. Tudo, naquele dia, se tornava claro, como nunca. Eu olhava as pessoas de um jeito diferente, sorria pra elas e de alguma forma, cada sorriso que eu recebia de volta me trazia a perspectiva de que o mundo poderia ser melhor se todo mundo começasse a enxergar o que, naquele momento, eu tinha o privilégio de ver.

Cada conversa que eu escutava era como cenas de um cotidiano secreto, como se eu fosse uma espiã de Deus a observar como as pessoas estão vivendo o melhor presente que qualquer um poderia receber: a vida.

Senti a vida pulsando em cada poro do meu corpo, e as lágrimas sem motivo denunciavam que a vida era o único motivo. Passei a lembrar das inúmeras vezes que acordei sem nenhuma alegria, desperdiçando um dia que nunca mais voltaria a mim, simplesmente porque em algum momento achei que o sentido da vida era acordar e viver aquelas horas pensando em horas futuras, que, a cada dia, ficavam mais distantes. Parecia que eu vivia para um futuro que jamais chegava, enquanto o presente já partia, sem ao menos me dar tempo para me despedir.

No dia em que enxerguei pela primeira vez, parei de reclamar de tudo, da falta de tempo, da montanha de trabalho, do meu cabelo de manhã, da comida que não estava boa. Parei de xingar gente lerda no trânsito, parei de discutir relação e parei de querer sempre algo diferente do que eu tinha. Neste dia, eu simplesmente vi que eu podia respirar, andar, podia abrir os braços e me sentir livre.

Quando eu me vi no espelho, pela primeira vez, gostei de tudo que vi. Não quis mudar nada, e me prometi que nenhuma tpm, por mais braba que fosse, iria me fazer sentir a mulher mais horrorosa do mundo. Não quis mais ter o corpo da Juliana Paes e nem o rosto da Ana Paula Arósio. Eu gostei de mim do jeito que eu era.
No dia em que enxerguei, quis encontrar todo mundo que eu amava na mesma hora. A urgência não era por eu estar indo embora daqui a alguns dias, mas era urgência em viver "tudo o que há pra viver" sem perder um minuto, porque eu já havia desperdiçado tantas horas com tantas bobagens, e tudo agora me parecia urgente e intenso. Comecei a olhar diferente pra minha própria história e ter uma profunda gratidão a todas as pessoas que passaram na minha vida. Cada pessoa me deixou um ensinamento, ainda que eu nem mesmo a conhecesse. Passei a agradecer, em silêncio, àqueles que eu não podia estar perto. E talvez, você que esteja lendo essas palavras agora, tenha tido uma importância na minha vida que você sequer imagina.
Às vezes um sorriso consegue mudar uma vida. Uma palavra no momento certo, uma escolha, um confronto, uma conversa. Tudo isso pode parecer pouco, mas às vezes a profundidade se esconde nos menores diâmetros.

O melhor dia da minha existência foi no dia em que percebi a minha existência. E, depois disso, tudo fez sentido. No dia em que enxerguei pela primeira vez, eu pedi a Deus apenas uma coisa: que eu nunca mais fechasse os olhos.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sobre o Ensaio...

Antes de falar da mudança, como prometido, falo do filme "Ensaio sobre a Cegueira", que tentou traduzir no cinema, o livro apocalíptico do Saramago. Perdoem-me os que gostaram, mas acho que, mais uma vez, o filme foi um resumo simplório demais do livro. Fui ao cinema com uma expectativa um pouco menor em comparação com a estréia do "Caçador de Pipas", mas com uma curiosidade mais aguçada do que aquela do "Código da Vinci", ou da "Insustentável Leveza do Ser" (este aqui, filme antigão), mas a semelhança em todas, absolutamente todas elas, é que o o mundo literário produz cenas absurdamente melhores que o mundo cinematográfico.

Depois de ler o "Ensaio", ninguém consegue comer um hambúrguer depois. No livro, sobram sensações humanas, o que, para mim, faltou no filme. Não consegui sofrer com os personagens. Faltou até mesmo tempo para isso, devido à rapidez das cenas. O livro faz com que saibamos, que, no caos, somos apenas animais brutos, em busca da sobrevivência. E que é preciso reconstruir o mundo a partir de uma visão mais humana das coisas. Nesse sentido, gostei muito das cenas do encontro das mãos do 1º cego (japinha) com sua mulher, do banho coletivo da chuva, e principalmente, mas principalmente mesmo, da música do Flávio Venturini (que eu já até comentei aqui no blog), "Céu de Santo Amaro", sendo tocada no piano, na cidade caótica, e que me emocionou muito, por lembrar que o filme era, em sua essência, "brasileiro". E, talvez, brejeiro.
Também é importante ressaltar o papel das mulheres no filme, a começar pela heroína, mulher do médico.Fica claro a força e a coragem de todas elas, que sabem cuidar de criança e até matar se for preciso, e percebe-se o quanto as mulheres sabem, muito mais que os homens, o que é essencial na vida.

No fim, gostei do filme, até porque nos faz pensar se é mesmo necessária uma epidemia de cegueira para que possamos enxergar o que realmente importa. E, cá pra nós, o que é que realmente importa?

sábado, 20 de setembro de 2008

E se "eu" for embora,sabe lá o que será de mim...

Fui chamada em um concurso que tinha feito em Brasília, ano passado.
Em 3 semanas, estarei morando lá. Isso mesmo, morando.
A ficha não caiu, não sei se rio, se choro, se perco a fala ou grito.
O fato é que estou muito feliz e muito triste.
Assim, ao mesmo tempo.
No próximo post vou falar mais...

domingo, 14 de setembro de 2008

No devaneio da tarde

Ultimamente "Há meros devaneios tolos a me torturar", como diria o Zé, em Chão de Giz. Espero que nesta semana eu poste algo que preste por aqui. Tô meio sem saber das coisas. Acho que é pelo fato de eu estar com saudades de tudo aquilo que eu tenho e que, por uma insensata melancolia -palavra que por si só já é triste- penso que vai acabar. Parece estranho,mas nesses dias, fiquei pensando em "tudo que vai". Uma tarde de domingo na minha casa antes algo natural, agora parece um prenúncio das minhas lembranças futuras. E isso me dá uma perspectiva ampla,porém sombria. Ampla porque acabo ligando pros velhos amigos que eu não via, me permitindo dormir além do usual, experimentar ataques de cosquinhas no meu sobrinho. Mas, ao mesmo tempo, logo após me sinto triste em saber que tudo isso que eu vivo agora, amanhã já fará parte da minha população de lembranças. Esquisito,né?
Por isso mesmo é que eu peço a devida licença."Meus vinte anos de boy, that´s over, baby..."

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

A goiabada é doce,mas não é mole não...


Ai que saudade de tirar o chinelo e andar descalça aqui no blog. É que os últimos dias têm me consumido ao extremo, a ponto de eu acordar às 6h e ir dormir depois de meia-noite. Sexta-feira era meu dia favorito, mas agora a coitada virou uma segunda-feira genérica. Bom, o fato é que não é apenas o quanto estou trabalhando, mas sobretudo, o quanto eu estava ansiosa e meio que desesperada esta semana,o que me impediu de falar muito, principalmente aqui no blog, onde sempre escrevo mais sobre as conclusões do que propriamente sobre as dúvidas.

Seguindo minha prática de escrever sobre a conclusão, confesso que esta semana começou muitíssimo bem para mim. Consegui avançar mais no campo profissional (que ano bom!) e tive notícias de que a fase boa iria, em breve, ser ótima. Só que, esperar implica paciência. Coisa que eu nunca tive. Aí Deus se meteu no meio da minha confusão mental e me fez observar uma cena, todos os dias. Vou contar.

Sinceramente, sou imediatista demais, quero tudo pra ontem e me desespero se nada acontece no tempo que "eu" acho que deveria acontecer. Já ouvi muito frases que repetem a lição do livro do Eclesiastes ("existe um tempo para cada coisa.."), mas comigo nada disso funcionava. Eu me desesperava com a demora de tudo. E notei que "desesperar" era a conseqüência inevitável de "des-esperar". Não conseguindo esperar,só sobra o desespero.

Até que, todos os dias, eu olhava para a goiabeira do vizinho, que chora na minha parede com suas folhas e goiabas derramadas, e falava com os pequenos projetos de goiaba que eu via:
"-Você ainda está pequena demais, fique maior";
Na outra semana, pegava nas frutinhas verdes e repetia:
"-Você cresceu, mas ainda pode crescer mais";

E, sendo essa atitude insana ou não, semana após semana eu conversava com as goiabinhas. Na sexta-feira passada eu estava desejando comê-las, olhei para os projetos e me aproximei de uma que me parecia já madura. Mas, antes de arrancá-la, pensei que ela já tinha chegado até ali, coitada, e seria muito injusto retirá-la sem que estivesse pronta, antes que ela concluísse o ciclo que ela "nasceu" pra ter. A coitada não ia cumprir sua missão apenas porque eu não esperei o tempo certo. Fiquei com pena e esperei.

Ontem, não apenas a goiaba em questão estava madura, como todas as outras da árvore, fato que me moveu, juntamente com Vovó a colhê-las do pé (escondidas do vizinho,claro). Fizemos um doce maravilhoso e talvez o sabor tenha sido marcante não apenas pelo açúcar dissolvido em mel, mas sobretudo pela lição que eu aprendi, agora de maneira definitiva. Não adianta querermos nada antes do tempo certo. E o tempo certo é aquele em que não precisamos arrancar, destruir, atropelar nada e nem ninguém. O tempo certo chega, e ele nos traz tudo aquilo que é nosso e pelo que esperamos. E nos traz assim, com o vento, sem que seja preciso desespero e esforço hercúleo. O doce de goiaba fez com que meu desespero se dissolvesse numa doce espera. Dessa vez, eu aprendi.