terça-feira, 27 de outubro de 2009

"Eu sou contradição..."

De vez em quando, aliás, de vez em sempre, alguém me diz :"Nem parece que é você". Essa frase geralmente vem em forma de desapontamento, ou surpresa, mas o fato é que muitas vezes eu mesma duvido que uma só Vivianne permaneça no comando durante boa parte do tempo. No dia em que criei este blog tudo o que eu queria era me encontrar debaixo das minhas várias máscaras, por isso o nome "Nu Canto". Queria me despir das minhas várias faces e descobrir quem eu era de verdade. Mas eis que até hoje, depois de 2 anos, cada post aqui tem uma faceta diferente. Ao invés de me reduzir a uma só, acabei me multiplicando por aqui.

E claro que para mim é estafante conseguir entender como posso ser tantas, sem ter uma grave perturbação mental. Possuo alter-egos tantos que posso até batizá-los com minhas profissões imaginárias, sai a Vivianne professora de Direito Previdenciário, entra a Oficial que cumpre mil mandados, chamo a escritora amadora,depois saio para pintar telas, virar artista circense com Renan, falar sobre Nietzsche, cantar Vanessa da Mata, ouvir Beatles e Funk Carioca quase ao mesmo tempo em que escrevo um artigo sobre a nova lei da adoção, penso em me candidatar a vereadora, enquanto estudo pra ser delegada ou psicóloga, e vou na Escola Freudiana ouvir palestras. Isso tudo pode ser visto em 5 minutos no teatro delivery da minha vida.

Pode até ser que seja culpa da minha "mente inquieta" (fui diagnosticada uma vez como tendo DDA- distúrbio de défict de atenção, mas nunca tomei ritalina, diga-se), mas acho que quase todo mundo é assim, múltiplo.

Um dos meus poetas favoritos descreve tal sensação de forma irretocável, no poema "Tabacaria":

"Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)... Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho. Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor,eu sinto-me vários seres.Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente,como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada (?), por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço. "

No quadro abaixo, o artista plástico vai além de Fernando Pessoa e, na tela, demonstra que o poeta é múltiplo, isto é: a fragmentação pessoana teve a sua expressão máxima com a criação dos heterônimos, destacando – se destes – Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis – que são os mais representativos e estão representados no quadro.


E ainda não somos únicos, apesar de "múltiplos". O artista Phillip escreveu de forma eloquente:

"O que tenho, isso sim, é uma variedade de personificações que sei fazer, e não só de mim mesmo – uma trupe de artistas que possuo internalizada, uma companhia permanente a quem posso convocar quando é preciso um eu, um estoque em expansão de peças e papéis que formam meu repertório. Mas com certeza não tenho um eu independente de meus esforços impostores e artísticos de ter um. Nem iria querer um. Eu sou um teatro e nada mais que um teatro”. (Philip Roth – O avesso da vida – página 363 e 364).

Whitman também endossa o pensamento : "Eu sou contraditório e imenso. Há multidões dentro de mim."

Depois de ver tantas pessoas dentro de mim brigando pelo posto do meu "eu" verdadeiro, eu poderia até parafrasear Herbert Vianna e cantar "Se eu queria enlouquecer, esta é 'a chance' ideal..." , mas penso que o melhor caminho é aceitar nossa multiplicidade e tentar fazer com que elas tenham algum traço em comum. Talvez seja este traço que nos define, como gostam os arquitetos. E pra deixar meu traço neste post, eu lembro do único que conhece todas as minhas personagens e ainda assim, me faz ser única.
"Não sou santo nem sou anjo e nem demônio eu sou só eu
Imperfeito, insatisfeito, mas feliz, aqui vou eu
Eu sou contradição, eu sou imperfeição, só Deus é coerente
Já sorri, já fiz feliz, já promovi, já elevei
Já chorei, já fiz chorar, já me excedi, já magoei
Eu tenho coração mas sou contradição
Deus acerta sempre..."


(Fábio de Melo)

3 comentários:

Felipe disse...

Querida Vivianne, penso que todo mundo - ou quase- vive nessa multipliciade de ser, do ser. Normal. Somos tantas coisas ao mesmo tempo, que ao memso tempo nos perdemos em quem somos nós.Estamos longe das respostas para quem somos, o porquê somos. Por isso , acho que a vida é mais viver mesmo, do jeito que der, do jeito que estamos,somos e queremos. Importa fazê-lo com o coração lícito, o desejo lícito.

Termino com um poema, aliás, o último que me atrevi a escrever qu etem um tanto dessas dúvidas, certezas e de quem eu sou ou penso saber.

DAS COISAS QUE VIVI, NEM SEI
DAS QUE SENTI, NEM PENSO SABER
DESSE MOMENTO, ME PERDI
DAS QUE DESEJO, O QUÊ DESEJAR?

ME FALE DO QUE PRECISO
ME DÊ DO QUE É BOM
NADA FAZ MESMO SENTIDO
E O SENTIDO NADA ME FAZ

ATÉ QUE É BOM DUVIDAR
SOU TANTAS CERTEZAS
SOU ASAS SEM VENTO
SOU UM POUCO VERDADE
E MAIS DA METADE
É MUITO DO QUE SOU

Bjão.

Vivianne disse...

adoro seus comentários, Felipe!

Mika disse...

Acabei encontrando seu blog por acaso, mas achei bem interessante.

E eu acho que as pessoas mais interessantes nao se resumem a estereotipos, elas sempre se recriam e sao surpreendentes. :)