terça-feira, 11 de dezembro de 2007

(Foto: Larissa M.Diniz)

Em uma cidadezinha do interior chamada "Pasárgada", havia muitos pássaros. Dentre eles, o Gabo, um pardal que adorava livros. Vivia lendo, escrevendo e tinha fama de intelectual na cidade. Quase não tinha amigos, já que era muito caseiro e sossegado, vivendo sempre na sua Jabuticabeira, em um bairro nobre da Pasárgada. O Dr. João-de-Barro era o prefeito da cidade e detestava ser chamado apenas de Seu João. Mas todo mundo só chamava "Seu João".

Seu João, depois de ter sobrevoado Brasília em um encontro de políticos, e ter visto árvores lindas e organizadas estrategicamente, resolveu fazer reformas na cidade assim que chegou. Trouxe a Águia Niemeyer -arquiteta famosíssima pela visão ampla de espaço-, e começou a implementar as reformas. E nesse interím, a Jabuticabeira do Gabo foi incluída como área a ser desapropriada. O projeto era transformá-la em uma grande praça, com imensa área de lazer, incluindo o 'autopiste', importado dos EUA, em que os pássaros, mediante singela contribuição, comeriam alpiste à vontade,diminuindo os problemas sociais do lugar e gerando uma sensível distribuição de renda entre a população.

Gabo beirou a loucura. Mesmo com a indenização, a Jabuticabeira era seu lugar sagrado! Era sua casa, desde que sua mãe faleceu e seus irmãos voaram para terras distantes. Mesmo assim, as reformas continuaram. Depois de ter passado várias noites na boemia, Gabo estava na sarjeta. Desiludido,não achava mais razão em continuar vivendo. Eis que, sentado na calçada, pensando em se jogar no rio, o pardalzinho escuta o Rouxinol cantar.

Mesmo de longe, a música invadiu seu espírito. Algo reacendia dentro dele, como um sopro divino que o fazia acreditar no poder de suas asas. Levantou-se. Devagarinho, abriu suas asas e tentou voar. Desacostumado, caiu várias vezes. Mas o vento ajuda quem tenta voar, e Gabo alçoou vôo. Voou a noite inteira, vendo paisagens nunca antes imaginadas! Tudo era tão maior, tão bonito que,sentindo-se inspirado, teve coragem de visitar sua antiga casa novamente. Não sentiu saudades, apenas a certeza de que havia nascido para o Céu.

Escreveu uns versos, tomados de inspiração:


Rouxinol tomou conta do meu viver

Chegou quando procurei

Razão pra poder seguir

Quando a música ia e quase eu fiquei

Quando a vida chorava mais que eu gritei

Pássaro deu a volta ao mundo brincava

Rouxinol me ensinou que é só não temer

Cantou se hospedou em mim

Todos os pássaros, anjos dentro de nós


De repente, chega Clarice, uma pardalzinha também sem rumo, encantada com os versos de Gabo.E naquele momento, não havia mais nenhuma lágrima. Só a poesia.


p.s: A música de Gabo é interpretada, para nós humanos, por Milton Nascimento.

2 comentários:

Unknown disse...

Sua forma de dizer sem explicar é linda.
Gosto muito dos seus "pequenos contos",eles sempre me trazem bons sentimentos.

Obrigada,Vivi!

Anônimo disse...

Não sei como cheguei aqui, mas gostei muito do seu blog.
Parabéns!
Bjs,Ana.