segunda-feira, 4 de abril de 2011

Dias de Deserto

É difícil falar de um tema tão contraditório quanto a depressão. Primeiro, porque ninguém tem coragem de admitir que a vida, por um momento -que parece bem mais longo do que apenas um "momento" - perde o sentido. Afirmar algo do tipo é como se fôssemos indignos de estarmos vivos, de termos saúde e condições financeiras, físicas e emocionais que muitos não têm. Parece que, se você tiver tudo o que precisa e mesmo assim se sentir infeliz, é porque certamente você não merece o que tem e deve ser jogado no fogo do inferno sem piedade, tamanha sua falta de gratidão. Como, portanto, podemos ter coragem de falar em depressão?

Também é difícil porque a pessoa deprimida não tem ânimo, sequer, de falar. E se falar para alguém que nunca passou por esse deserto, certamente vai ouvir frases do tipo "canta, canta, minha gente, deixa essa tristeza pra lá". Eu sei bem o que é isso. A última coisa que desejamos ouvir quando a depressão nos acompanha é frases prontas e receitas de como se sentir feliz com os-pés-e-os-braços-que-temos-quando-tantos-não-os-têm.

Longe de mim dizer que tais conselhos são vaziose os conselheiros, idem. Pode vir de muita gente que quer apenas o nosso bem, mas não sabe como ajudar. Mas acontece que, quando algúem está deprimido, isto é, vivendo como se estivesse no meio de tudo e não participasse, a única coisa que esta pessoa não precisa ouvir são argumentos que a sobrecarreguem, ainda mais, de culpa. Elas já sentem-se culpadas por não se sentirem felizes, quando o mundo todo diz que a felicidade é uma opção fácil de se escolher.

A pessoa deprimida precisa é de amor. Amor verdadeiro, do tipo de Jesus, que apenas toca o olho do cego, sem machucá-lo, para que ele volte a enxergar o mundo. Jesus era capaz de dizer "levanta-te!" sem parecer autoritário. A ordem era de alguém que ama tão profundamente que sabe que o doente (o deficiente ou o deprimido) pode levantar com seus próprios pés, mas precisa de um guia.

Já vivi uma depressão avassaladora, há alguns anos atrás. Para mim, tudo havia perdido o sentido. Sentia-me tão inerte que tudo, até mesmo me alimentar, parecia pesado demais, assim como minhas pernas. Emagreci, calei-me e sofri quieta, durante muito tempo. Até que consegui, a duras penas, perceber que aquela tristeza não passava com o tempo e que, apesar da causa ter ido embora, o sentimento de angústia e sensação de vazio espiritual teimavam em ficar. Comecei a não achar graça em viver. Quando constatei isso, procurei ajuda. Fiz terapia e tomei remédio. E, graças a Deus, me curei. Lembro que, na época, comecei a namorar um idiota (todo mundo tem um idiota no caminho, não é mesmo?!) que ficou abismado de eu tomar antidepressivo com 20 e poucos anos, tratou de espalhar para algumas "colegas" e estas me fuzilaram com argumentos de que aquilo-era-um-absurdo e que eu não era louca para tomar remédio controlado.

Mas eu tenho sorte e nesta época eu já havia erguido os olhos e aprendido a me aceitar. Inclusive, a aceitar meu lado obscuro e que precisava de luz. Quando tais pessoas me chamaram de louca eu já estava descontinuando o remédio e a terapia, então já me sentia suficientemente forte para pedoar a ignorância, e até mesmo entender aquelas pessoas que teimam em achar que a fórmula mágica de como tudo pode dar certo (mas só elas podem dizê-lhes). Aliás, como toda a certeza, a depressão que tive me fez ir ao fundo do meu próprio poço e ter me conhecido muito mais. Percebi o que estava escondido entre os pedregulhos e confesso que hoje, me sinto rica de espírito, pelas pedras preciosas que ali encontrei.

Portanto, escrevo hoje inspirada na morte da atriz Cibele Dorsa - que pulou do prédio onde morava porque não viu mais sentido na vida sem o namorado -, para falar àqueles que não conseguem encontrar ouvintes, apenas acusadores. Escrevo com a esperança de que ela - sim, a esperança - possa invadir o coração de alguém já desesperançoso em livrar-se de uma depressão que insiste em ficar.

Espero que Deus, ou alguém, possa tocar seus olhos com todo amor que você merece e que você possa enxergar um horizonte. Que você possa "levantar-se e andar" mesmo com a depressão a tira-colo. Porque um dia ela cansa. E você estará livre.

4 comentários:

PSICO_SINCRONICIDADE disse...

Querida Vivi
Lindo como sempre seu post...
Orgulhosa cada vez mais d ti...
Crescemos muito mais na dor, levantamos com muito mais garra... orgulho d te-la conhecido um dia viu mocinha? Vc tem uma alma elevada!!!!! CREIA
bjos
Dra. Karina

Vivianne disse...

Leitores, esqueci de colocar no texto o telefone da minha terapeuta- ou anjo-da-guarda, que por coincidência, postou o comentário acima. Ela é tudo de bom. ;)

Dra. Karina Simões
Tel: 3247-1622.

carol montenegro disse...

Vivi, só vc mesmo para ter a CORAGEM de escrever sobre algo assim...Hoje, passei a admirá-la ainda mais.
Parabéns, amiga, pela sensibilidade que vc tem. No meio de tanta palavra fabricada e pseudo lições de vida, é bom saber que ainda resta sinceridade.
Visualizei cada cena desse texto como se tivesse acompanhando a sua dor e, agora, a sua libertação. Acredito que o fato de ter escrito fará tanto bem a você quanto aos que lerem esse texto. Parabéns mesmo!
Beijos

Franco disse...

Nossa, ficar um tempinho sem passar no seu blog= ter um monte de coisas pertinentes para ler.
Curioso que esse seu texto coincide com uma matéria especial da revista Superinteressante, edição especial de Abril.
A matéria traz algumas estatísticas sobre a depressão, por exemplo:
340 milhões é o número de depressivos no mundo. A maior parte dos casos está entre 20 e 40 anos. Menos de 25% dos depressivos têm acesso a um tratamento.
A depressão é 02 vezes mais comum entre mulheres, mas o suicídio é 4 vezes mais comum entre homens.
Não saberia definir a depressão tal quais os doutores no assunto... Ela é pra mim fruto de tantas coisas...
Mas a pior parte é aquela em que somos criticados, como se não tivéssemos o direito de viver nossas tristezas, amarguras, dificuldades. Sei que muitos tentam nos colocar pra cima no intuito de ajudar.Mas sempre tem a turma “ alto astral”, intocável, de bem com a vida, que a nada sucumbe, e ao mesmo tempo nada acrescenta.
Não fiz nem faço apologia à depressão. Mas muitas vezes, abaixo desse fundo de poço, preenchido de lamas, percebi, na pior das circunstâncias, o quanto era preciso viver, respirar e seguir. Desses piores momentos, produzi significantes pensamentos. Pareceu-me que desde então a vida são dois espelhos onde hoje, eu, pretensamente, sei exatamente onde devo olhar.
Somos cobrados a ter alegria, energia, senso d e humor nato. Mas, talvez, além do senso de humor, seja preciso ter senso trágico. E aqui eu vou concordar com Gordon S. Wood – historiador americano- onde ele diz que: “Ser trágico não significa ser pessimista, mas apenas compreender a vida com todas as suas limitações”( me deparei com esse pensamento lendo “1822” de Laurentino Gomes). Talvez esse seja um dos nossos maiores problemas: tentar compreender a vida e não encontrar meios para compreender ou não tentar compreender absolutamente nada e assim alimentar nosso vazio de cada dia.
Nesses tempos atuais, a depressão parece ser a mais fiel companheira, embora, indesejada.
De toda forma, são as experiências da vida que nos formam, por melhores ou piores que sejam. Mas é preciso ver graça na desgraça, e assim como o grande poeta Renato Russo “...E no meio de um depressão. Te ver e ter beleza e fantasia”....