quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Estou em um vazio literário, mas há razões: além de ter visto a peça de Clarice Lispector, em quem Beth Goulart declama trechos dos livros que mais gosto de Clarice, me senti tão pequena perto do que ela escreve que tenho vergonha (sim!) de escrever "publicamente". E a segunda razão que tem tudo a ver com a primeira, é que ando escrevendo secretamente (pelo menos o destinatário ainda não sabe) para o meu filho, Levi, que se Deus quiser, chegará no fim de fevereiro do ano que vem. Já estou na metade de um pequeno caderno (aliás, o caderno veio de Barcelona, cheio de arte, presente da minha comadre Luana). Espero que um dia Levi possa ler e saber do quanto o amei antes mesmo de ver seu rosto.

Na verdade, tudo o que tenho feito ultimamente é pensando nele. Absolutamente tudo, até meus momentos de tristeza ou desespero são dedicados a ele, pois não sei se serei uma boa mãe, tampouco a provedora que eu deveria ser. Imagino o tempo todo que ele já deveria vir com um reino construído, porque é assim que eu o vejo, como um pequeno príncipe. Mas nem só de preocupações vive uma mãe, eu suponho, e por muitas e muitas vezes me pego sorrindo sozinha e me sentindo feliz como nunca estive. Levi mexe nos momentos mais silenciosos do dia, como um filósofo a se inquietar com o que é cômodo. Tenho a impressão de que ele já sabe muito mais de mim do que apenas saber onde exatamente se localizam minhas costelas. É como se meu filho já soubesse quem eu sou, a partir das minhas emoções. E talvez seja por isso que pergunto tanto a ele: "Mas por que diabos você me escolheu como mãe? Tanta mãe perfeita por aí, e vc, tão lindo e inteligente, veio cair logo na barriga da mãe mais alterada de todas?". Acho que quando travo esses diálogos, Levi ri. Me sinto perdoada por todos os meus pecados só por ter a chance de carregá-lo na barriga.

Quase todos os dias canto uma música para ele. Na verdade, não são músicas infantis, são músicas de amor. Tenho uma lista, mas há uma especial, que eu gostaria de ter escrito para ele: "The Reason", do Hoobastank. Música antiga, mas que fala alto ao meu coração para Levi. Antes que minhas lágrimas caíam ao mesmo tempo em que meu sorriso envergonhado apareçam, a música é essa, e a razão é você, filho.



segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Conto para o meio dia.


Uma música não saía de sua cabeça. Depois que a letra era excessivamente repetida, sem que necessariamente fizesse parte do seu gosto musical, sua mente pulava para outra canção e assim ia durante longos períodos, ao mesmo tempo em que múltiplos pensamentos saltitavam entre as músicas. Ao fim do dia ou de um longo período de músicas, pensamentos e orações, sua mente parava, exausta. Não conseguia mais pensar em nada. Deitava, lânguida e sofregamente, em uma rede e passava a contemplar o céu como uma miragem, um sonho em forma de cor que lhe transportava para um lugar de paz-minuto. Afinal, daqui a pouco sua mente iria começar a trabalhar de novo, e esse minuto de paz lhe dava um descanso e um conforto que deveria ser sorvido a cada segundo como um gole de água em um deserto de sede.
Pensava, ou melhor, invejava quem apenas vivia sem que a mente lhe interrompesse a todo instante. Por que não poderia ser assim? Quem havia decidido que seu destino era pensar? Pois gostaria de falar-lhe. Dizer-lhe o quanto sofre por ser assim. Assombrar-lhe com sua rotina incessante de pensamentos desordenados e letras de músicas. Vez por outra ainda rezava no meio da canção. Estava cansada de ser. Buscava, desesperadamente, uma tentativa de fingir ser outra pessoa. Poderia fingir tão bem quem sabe, que acabaria acreditando no próprio fingimento e tornando-se efetivamente aquela que fingia ser. Era uma boa ideia, mas não exequível. Já tentara muitas vezes esta estratégia, mas não conseguia durar muito tempo sendo quem não era. A máscara caía e ela olhava para o chão, com vergonha de ter tentado e mais uma vez, falhado. Vergonha, sobretudo, de ser só. De ser sua única companhia, mesmo com o universo inteiro ao seu lado. Era só porque assim tinha de ser. Coisas de quem não consegue se entender nem fazer-se entender. Coisas de quem busca uma verdade interior que jamais virá. 
Passado um tempo, aliás, 58 segundos, Amália quase estava calma. Não fosse pela galinhada na cozinha, seus pensamentos teriam se anulado e a deixado em paz. Mas o fogão começara a exalar um forte cheiro de queimado, e lá vai ela, já pensando no que a comida queimada poderia fazer em seu estômago. Claro, pois não haveria de cozinhar outra coisa. Já bastava de ter de pensar, ainda mais em receitas? Ela se recusava. E assim podia exercer alguma liberdade naquela personalidade que tanto a aprisionava. 
Amália conseguiu salvar o almoço, com a graça de quem sabia fingir. Deitou as partes cozidas e brancas da galinha sobre o arroz, despejou sobre ele o molho espesso e a panela queimada ficou para trás. Borrifou detergente e deixou que a panela esquecesse, delicadamente, sua vergonha de estar suja, ao lado de tantas outras panelas limpas e brilhantes.
Ficou observando aquela cena por um instante e lembrou-se do tempo em sua vida: era ele seu detergente. O tempo deslizava sobre suas manchas e as apagava. Limpava sua alma dos ressentimentos e rancores tão difíceis de retirar. Jamais voltaria a ser reluzente, achava, mas pelo menos estava limpa.
O marido de Amália tocou a campainha e ela gentilmente abriu a porta. Tê-lo ali, tão claro e límpido, era como um objetivo a ser alcançado. Gostaria de ser simples como ele. Trabalhar, comer, amar, vestir, dormir. Sonhos apenas quando se está dormindo. A vida era boa. Só ela que não enxergava?
Para ela, viver não poderia ser apenas isso. Mas não sabia verdadeiramente o que buscava, ou mesmo se buscava alguma coisa. Aquela inquietação era sofrida. Vinha como uma onda gigante a lhe afogar, a dizer-lhe que ela era um ser inerte que nada fazia a respeito de buscar sua vida de verdade. Mas que diabos de vida era aquela que a onda queria? Ela não sabia. E de repente, escuta um elogio vindo da cozinha. Seu marido acabara de provar a galinhada queimada, achando-a deliciosa. E neste momento, Amália conseguiu rir pela primeira vez no dia. Ela estava conseguindo não-ser, apenas existir. E isso era uma grande libertação. Pelo menos para hoje. 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012


Nesta semana recebi um mandado para uma clínica psiquiátrica em Recife e fui até lá. Já visitei algumas, mas esta me tocou de uma forma muito profunda e triste. Enquanto eu esperava pela diretora para intimá-la, observei os pacientes no pátio. Cada um preso em sua própria cela: sua mente. Tentei escrever sobre o que senti, mas meus próprios sentimentos estavam tão confusos que só me restou fazer alguns rabiscos...


Louca Solidão

Ninguém merece viver à sombra de si mesmo
À espera do seu eu que se perdeu
Contando o tempo para se devolver
Olhando as horas sem minutos, sem sentidos

Ninguém deveria enlouquecer
Nem de amor, nem de dor
O desespero é a beira do absurdo
Onde nada tem uma razão
Só a solidão

Ninguém poderia se esquecer de si
Perder a paz que nos orienta
O sentido que nos equilibra
O afeto que nos sustenta

Ninguém gostaria de enclausurar-se
Em alguém que não lhe pertence
E aos poucos a distância aumenta
As pessoas esquecem, a prisão se estabelece
E só lhe resta o olhar vago
A madrugada do meio-dia
A visão de um só horizonte

Ninguém está à sua espera
E assim eles vivem, sós
A tal ponto que lhes falta
a sua própria companhia.