segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Casamento

Demorei a vir aqui. Não por falta de tempo ou porque estava doente, ou alguma outra justificativa, mas, realmente não sabia mais o que escrever. Minha vida tem se transformado lentamente e os dias acabam sem que as lições também terminem no fim da noite. Fico ruminando (a expressão é mesmo essa!) sobre todos os acontecimentos definitivos que estão tomando forma em uma trajetória cuja filosofia, até pouco tempo atrás, é que tudo era mutável, transitório e que um casamento mais atrapalhava meus planos do que os alimentava. Peço licença aos leitores para falar de mim, não para detalhar o que tem acontecido no meu "infinito particular", mas para economizar a terapia e escrever sobre as conclusões (ou falta delas?) a que cheguei nesses últimos dias, e que me fizeram ter medo de vir aqui.

Pois bem. Na semana passada, eu e meu futuro marido (acompanhados das nossas queridas testemunhas, Lavor e Lex) fomos ao Cartório dar entrada nos trâmites do nosso casamento civil. Acrescentei o sobrenome de Elias no meu nome, tiramos fotos, foi aquela festa. Depois, fiquei olhando pra aquele papel com meu nome mudado e não consegui dormir.

Para os desavisados ou ainda leigos na alma feminina, isso poderia soar como se eu não amasse meu "noivo" (não sei porquê, mas acho essa palavra horrorosa), mas, como disse uma vez minha avó, do alto dos seus 82 anos, à minha irmã, que antes do casamento perguntava se era normal uma mulher ter dúvidas a poucas horas da cerimônia: "-Não é normal, não. Só se você for daquelas que tem alguma coisa na cabeça" , digo:Amo o homem com quem vou me casar.

Descubro isso todo dia, quando me pego olhando uma foto dele agarrando meu sobrinho e choro sorrindo, sozinha e sem que ninguém veja. Passei muito tempo pensando que o amor só era "casável" quando o "candidato" a marido me fizesse sentir todas as sensações mais arrebatadoras do mundo. Queria casar não apenas apaixonada, mas obcecada. Nos meus sonhos casamenteiros, o meu marido era uma mistura de Príncipe com Super-Homem, com o charme do Javier Bardem e a inteligência criativa de um Tarantino.

Me apaixonei diversas vezes, cheguei ao fundo do poço em outras, tive poucos, ótimos, ruins, breves e longos relacionamentos, mas confesso que achava perfeita a frase da Clarice Lispector que dizia: "o que eu quero não tem nome." E não tinha mesmo, já que nunca soube direito o que querer. Em cada um dos meus ex-namorados eu encontrava muitas qualidades e outros tantos defeitos, e com o tempo, fui vendo que não apenas a mistura do "Javier-Tarantino" não existia, mas, se existisse, não seria garantia nenhuma de felicidade. Fui aprendendo, lenta e penosamente, a me desgarrar dos meus desejos mais infantis de busca por completude, e aceitando o fato de que jamais alguém irá preencher meus vazios. Eles são meus.

Eu não desejava mais o impossível, apenas o possível. E aqui entenda-se que o possível não é sinônimo de passividade, muito pelo contrário. O possível é tentar encontrar alguém cujas qualidades mais naturais sejam aquelas que para nós são primordiais para mantermos um certo nível de contentamento , e cujos defeitos pudessem ser "suportáveis", ou "contornáveis".
Pedir isso (escrevendo!) não apenas me trouxe mais paz e tranquilidade por saber que se tratava de um desejo sincero, mas me trouxe exatamente quem eu precisava. Depois de muita terapia, livros, orações e um desejo profundo de me conhecer, vi quais eram as virtudes que eu buscava em alguém e quais os defeitos não seriam mais tolerados.

Enfim, em meu coração, pedi um homem que tivesse o poder supremo me fazer rir no meio de uma briga, que não fosse burro nos aspectos mais importantes (um Tarantino eu podia não ter, mas um Tiririca não!) , que me inspirasse alguma credibilidade, que gostasse da minha gata e da minha família, e que, principalmente, " tivesse um abraço afetuoso a me acalentar quando alguma angústia me tirasse o sono". Repeti isso muitas vezes. Para mim, uma carente desnutrida, o afeto era o mais importante. Não suportaria mais frieza, distância ou qualquer outra característica que me lembrasse indiferença ou abandono. Não queria um chiclete, queria um MM´s: doce sem grude. Era esse o ponto-chave.

Encontrei Elias. E por esse encontro, subirei ao altar. Como assim? Vou casar?

Não era possível. Depois de anos tentando me desvencilhar completamente da ideia de que para ser feliz é preciso ter um dia de princesa, no qual todos a sua volta podem "atestar" seu valor vendo que você foi "escolhida", depois de tanto tempo de amadurecimento, de saber do meu valor independente de relacionamentos ou cerimônias, após anos de completa reconstrução da ideia do casamento para mim, não era possível nem aceitável que agora eu tivesse voltado àquele ponto inicial, em que eu acrescentava ao meu nome um sobrenome estranho ao dos meus pais, um "Asfora" que não tinha nada a ver com a minha história, com a minha vida. E permaneci ali, madrugada adentro, olhando aquele papel do cartório, sem saber direito quem eu era.

Mas, então, no outro dia, talvez por esses milagres revestidos de cotidiano que nos abençoam, Elias me presenteia com o novo livro da minha querida escritora Elizabeth Gilbert, autora do meu livro de cabeceira "Comer,Rezar,Amar", que eu já havia pedido mas nem sabia direito qual era o tema. No primeiro livro, Liz decide se conhecer, ter um ano sabático em três países diferentes e reestruturar-se após um divórcio. No último país (Indonésia) conhece "Felipe", o brasileiro José Lauro Nunes, com quem inicia um relacionamento cujo "desfecho" é exatamente o que ela mais temia: um casamento. O segundo livro, portanto, fala da pesquisa que a autora fez sobre o matrimônio, não apenas uma pesquisa bibliográfica, mas sobretudo, emocional.

Nem preciso dizer o quanto a leitura deste livro (Comprometida- Ed.Objetiva) me fez bem. Eis alguns trechos que grifei:


"...hoje, ser uma pessoa de caráter é importante para mim, e quanto mais envelheço mais importante é. Naquele momento, então, fiz a única coisa certa ao lado desse homem que adorava. Prometi a ele que não o deixaria (...). No último instante, Felipe me cochichou:

-Eu te amo tanto que até me caso com você.
-E eu te amo tanto- prometi- que até me caso com você".

"Observar a interação das mulheres hmong me fez pensar que a evolução da família ocidental, cada vez menor e mais nuclear, pode ter exercido uma pressão específica sobre os casamentos modernos. A mulher hmong não espera, necessariamente, que o marido seja o seu melhor amigo, o confidente mais íntimo, o conselheiro emocional, o par intelectual, o consolo em tempos de tristeza. Em vez disso, elas recebem boa parte desse sustento e apoio emocional de outras mulheres: irmãs, tias, mães, avós." " É tarde demais para eu ser hmong."

"No mundo ocidental, moderno e industrializado de onde venho, a pessoa com quem resolvemos nos casar talvez seja a representação mais viva da nossa própria personalidade. (...) Não existe escolha mais íntima do que a pessoa com quem vamos nos casar; em grande parte, essa escolha nos diz quem somos."

"As ocasiões em que realmente optamos e depois sentimos ter assassinado algum aspecto do nosso ser ao tomar aquela única decisão concreta são igualmente inquietantes. (...) O filósofo Odo Marquard observou na língua alemã uma correlação entre a palavra zwei (dois) e zweifel (dúvida), indicando que dois de tudo trazem à nossa vida a possibilidade da incerteza."

"...e era isso que agora me preparava para esperar outra vez com Felipe: que, de certa forma, fôssemos responsáveis por todos os aspectos da alegria e da felicidade um do outro. Que a descrição do cargo de esposo fosse ser tudo um do outro. (...) Pela primeira vez na vida, me ocorreu que talvez eu pedisse demais do amor. Ou, talvez, eu estivesse pedindo demais do casamento."

"Basta observar a minha relação com Felipe e o fio finíssimo que nos mantém juntos.(...) Por que preciso desse homem? Só preciso porque, por acaso, o adoro, porque a sua companhia me traz alegria e consolo e porque, como me disse o avô de um amigo, ´às vezes a vida é dura demais para ficar sozinho, e às vezes a vida é boa demais para ficar sozinho´. O mesmo acontece com Felipe: ele também só precisa de mim pela minha companhia. Parece muito, mas não é: é apenas amor. Pela própria e irritante definição, tudo o que o coração escolhe por razões misteriosas pode ser desecolhido depois-por razões misteriosas. (...) Sabendo disso tudo, entrarei no meu segundo casamento com muito mais humildade."

"Durante nosso período de corte, fiquei intacta dentro da minha personalidade e me permiti aceitar Felipe como ele era."

"Buda ensinou que a maioria dos problemas, se lhe dermos tempo e espaço suficientes, acaba se desgastando. Mas, novamente, tive realcionamentos no passado em que os problemas jamais se desgastariam, nem em cinco vidas consecutivas, então o que eu sabia sobre isso? Só o que eu sei é que parece que eu e Felipe nos damos muito bem. O que não sei dizer é por quê. Mas seja como for, a compatibilidade humana é mesmo um troço misterioso."

"Amo esse homem. Amo-o por incontáveis razões ridículas. (...) Amo-o e portanto, quero protegê-lo, até mesmo de mim, se é que isso faz sentido." "Algumas coisas que não podemos mudar em nós mesmos são feias de se ver. Assim, ser visto por inteiro por alguém e ainda assim ser amado é uma dádiva humana que pode ser quase um milagre."

"Bauman acredita que os casais modernos foram ludibriados quando lhes disseram que podiam e deviam ter as duas coisas- que na vida deveríamos ter partes iguais de intimidade e autonomia. Diz que, na nossa cultura, passamos a acreditar erroneamente que, se conseguirmos administrar direito a vida emocional, seremos capazes de vivenciar toda a constância tranquilizadora do casamento sem jamais nos sentirmos confinados ou limitados."

"Como explicou o filósofo David Hume, em todas as sociedades são necessárias testemunhas na hora de promessas importantes." "Veja bem, estudei Joseph Campbell, li ' O Ramo de Ouro´, e entendi. Reconheço plenamente que a cerimônia é essencial para os seres humanos: é um círculo que desenhamos em torno de fatos importantes para separar o grandioso do ordinário".

"Mount sugere que todos os casamentos são atos automáticos de subversão contra a autoridade. (...) Assim, talvez eu tenha entendido essa história deliciosamente ao contrário. Dizer que a sociedade inventou o casamento e depois obrigou os seres humanos a se unirem talvez seja absurdo. Nós inventamos o casamento. Os casais inventaram o casamento."

"Por isso, me desculpem se, no fim dessa história, parece que estou me agarrando a qualquer bobagem para chegar a conclusões confortadoras sobre matrimônio. (...) Preciso desse conforto. Sem dúvida, precisei da teoria tranquilizadora de Ferndinand Mount de que, quando se olha o casamento sob certa luz, dá para defender que a instituição é intrinsecamente subversiva. Recebi essa teoria como um ótimo bálsamo calmante."

Ufa! Depois de transcrever quase o livro todo (exageros à parte, claro) , só posso agradecer imensamente a Deus por ter me dado um homem maravilhoso como parceiro, que me presenteia com o que eu preciso ouvir quando ele não sabe dizer, e que, enfim, tem o melhor " abraço afetuoso a me acalentar quando alguma angústia me tira o sono"...

"Finalmente, sozinha naquele canto com o meu querido, tudo dará certo, tudo dará certo, e todo tipo de coisa dará certo."

4 comentários:

carol montenegro disse...

olha, ai!eu precisava ler esse post.
Ando com esses mesmos pensamentos, foi bom ler a transcrição dos meus sentimentos...
Lendo esse texto só lembrei daquele nosso encontro tipo "sex and the city", lembra? Engraçado como a gente tem sempre o que aprender...
beijos, Vivi!
Parabéns e felicidades sempre.

Luana Magalle disse...

Pois então...

não preciso nem comentar...

mas "entrou na chuva, é pra se molhar"...E que bom ter alguém por perto com uma toalha para ajudar a secar, não é msm???? Parabéns pra vcs!

Seja feliz...antes de td, com vc msm, amiga!!!

Mayra disse...

Ah, Vivi. Como é bom ler o que vc escreve! Precisava ler isso! :oD
Bjs!

Franco disse...

Bom, certa vez conversando com uma ex namorada ela me falara que não pretendia colocar o sobre nome de sue esposo ao nome dela.Quando indaguei o porquê, ela me dizia que não é porque a gente casa que mudamos nosso DNA e em não mudando, não há que se mudar o nome heheheh. Bom, ela é médica e deve entender bem DNA pra tal afirmativa ...rs
Mas acho que no fundo tudo que mexe conosco, tem o poder de jogar a gente pra baixo, pra cima, pro lado ou pra qualquer outro espaço. Acho que mudar meu nome,acrescentar um sobrenome, também mexeria comigo...Talvez...Você vai encontrar gente que se importa e gente que não se importa, isso significa que você está na média!

Por outro lado, como dizem, o que é um papel assinado e um nome mudado frente ao que sentimos?Frente à importância daqueles a quem amamos?Frente à importância de um sentimento que só tem o poder de jogar a gente lá pro alto?
Vivinane, aqui vai um puxão de orelhas: desacelera um pouco seu pensamento senão você explode de tanto pensar.
Por fim, as energias negativas existem e sempre irão existir.Não tem como criar uma super cápsula protetora...Pra energias e pessoas negativas a gente se acerta com a maior grandeza de todos sentimentos que podemos carregar conosco: o amor! Esse sentimento, estado, é tão magnífico que nada pode destruí-lo.E isso não é uma frase apenas bonitinha. É real.Viva o amor e esteja certa que sua dimensão não deixará qualquer sentimento menor, infinitamente menor, tocar naquilo que lhe é mais sagrado.
Bjão.