quinta-feira, 23 de julho de 2009

(Re) pensando.

É impressionante perceber que alguns autores conseguiram elaborar teorias que nos orientam de modo ímpar e nos alertam sobre acontecimentos cotidianos cheios de significado. E hoje, especificamente, ao reviver uma situação recorrente,lembrei da Lei do Eterno Retorno, da qual falava Nietzsche. Eis um trecho:

"E se um dia ou uma noite se alguém se esgueirasse na tua mais solitária solidão e te dissesse: Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes. E não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande na tua vida há de retornar a ti, e tudo na mesma ordem e sequência."

A partir daí, podemos pensar em algumas indagações:

1) Será que a vida que eu vivo hoje, eu gostaria de revivê-la indefinidamente, do mesmo jeito? Se a resposta for positiva, ótimo; se negativa, é bom repensar nossas escolhas.

2) E por falar em escolhas, o que eu faço diante de acontecimentos que se repetem ao longo da minha vida? Deixo tudo acontecer ciclicamente, repetindo os mesmos padrões (e os mesmos resultados, diga-se) ou tenho coragem suficiente de fazer novas e diferentes escolhas, tendo atitudes novas diante de velhos cenários?

3)As escolhas que fazemos por meio de nossas atitudes costumam sempre voltar para nós. O que fazemos de bom, sempre volta em forma de um bem maior; e o que fazemos de ruim, segue a mesma lógica?

Bom, o que devemos pensar é que temos a possibilidade extraordináriade não sermos escravos do passado (até porque, se mentalizarmos que tudo será igual, fatalmente será, acredite), de podermos, através de uma situação atual, entendermos nossas atitudes anteriores, reinterpretando o fato e recriando nosso próprio passado, retirando mágoas que já não existem e pesos que não nos servem mais.
Interpretando o que já nos aconteceu de forma leve, e principalmente, nos colocando na posição da outra parte, por exemplo, quase sempre percebemos que o julgamento não é tão implacável, que a dor não é tão aguda, que os papéis de vilão e mocinho quase sempre não existem.O que geralmente acontece é vislumbrarmos que escolhas(as nossas e as alheias) são feitas por seres humanos, carregados de precariedades, dúvidas,medos e desejos de serem felizes. Ao colocarmos tais parâmetros em nossa visão das coisas, podemos experimentar a força do perdão, que se opera em nós mesmos.

E aí é que surge a chance de se fazer novas escolhas diante de situações semelhantes que "retornam" a nós. E assim, recriamos nosso passado, sendo autônomos ( no dicionário, uma ótima definição: "quem se governa"!) no presente, e moldando o nosso futuro a ponto de nos fazer desejar viver esta mesma vida quantas vezes nos for permitido.

E eu diria que essa mistura de livre-arbítrio e determinismo nos faz verdadeiramente felizes, felicidade essa que nasce da certeza de estarmos no caminho que escolhemos e não que a "vida" escolheu!

"O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado."


(M.Medeiros)

segunda-feira, 13 de julho de 2009

"O que eu quero...(desa) sossego"

Semana passada escrevi no "quem sou eu" do orkut o único adjetivo que se encaixa perfeitamente no que já descobri de mim: desassossegada. Embaixo do adjetivo, escrevi "ainda bem". Uma colega minha, então, enraiveceu-se e me escreveu: "Vivianne, você devia agradecer pela vida que tem , por ter emprego, família, saúde, e não viver sempre com dúvidas existenciais". Eu até lembrei da música do Raul Seixas, Ouro de Tolo:
"Eu devia estar contente/Porque eu tenho um emprego/Sou um dito cidadão respeitável/E ganho quatro mil cruzeiros por mês..."
Bom, aqui vai minha resposta pra quem comunga do mesmo pensamento. Mas vou logo avisando que,como diz o Gabo, no seu livro Memória de minhas putas tristes: "Não trocaria por nada neste mundo as delícias do meu desassossego".

Primeiro, o termo "dúvidas existenciais" deveria ter sido melhor explicado. Acho que ninguém duvida de que existe. É só beliscar o braço ou cortar os pulsos. =) Dúvidas sobre o "por quê" de existirmos, aí sim,é bom de ter. Aliás, se eu não tivesse dúvidas, iria ser uma niilista insuportável: "eu não sou nada, não existo para nada e vamos acabar em nada." Ser desassossegada é o contrário. É buscar, incessantemente, não cair no vazio de sentido, não viver sem questionar, sem buscar alternativas para as escolhas previsíveis, não se conhecer, não se descobrir. Viver no previsível não é para mim, ainda que isso seja a busca de muitos.
No entanto, ser desassossegada não significa ser deprimida, ser triste, não grata pelo que já consegui, não amar a vida nem as pessoas que fazem parte dela. Não é, absolutamente, nada disso, embora todo mundo possa ter suas crises e eu não escape delas. Mas, para mim, o meu desassossego é simplesmente não me conformar com o que basta. Porque, de um jeito ou de outro, quando tudo nos basta, acaba. E pra mim é cedo pra acabar.
Meu desassossego é o que me mantém viva. É o que me faz ir mais longe, pensar outras coisas, fazer outros planos em busca de uma plenitude que talvez nunca chegue, mas que me faz caminhar e seguir em frente. Ainda não descobri o sentido da vida, e quem sabe (e acredito nisso) o sentido seja diferente para cada um. Talvez por isso eu, além de dúvidas, também tenha algumas certezas (temporárias, quem sabe!) e entre elas está a de que minha existência vai muito além de uma vida "casa-mesa-banho".
As dúvidas me fazem ir mais fundo, mergulhar na minha humanidade e não me satisfazer só com o superficial de cada coisa. Por outro lado, não acho que para isso seja preciso tornar-se erudito, prolixo, arrogante. Às vezes, quando vejo uma certa "previsibilidade" no ar, eu simplesmente aceito, porque, na verdade, ninguém tem o caminho certo pra ser feliz. Meu irmão é feliz ouvindo forró no último volume o dia inteiro. Eu sou feliz lendo tudo que me dê pistas para as respostas que procuro. Isso não faz de mim melhor que ele. Nem melhor que ninguém. Ele deve ter suas respostas, já eu quis ir mais longe. Problema meu. Literalmente.
Por isso, meu desassossego é sossegado. Não vivo tomando remédio tarja preta, nem achando que minha vida não tem um propósito. Justamente por ter um propósito é que acabo vendo significados. E significados levam tempo para serem descobertos. E é delicioso ser desassossegada para investigar.

Anseio por muita coisa ao mesmo tempo, sonho com várias coisas, sinto tudo com uma intensidade fulminante, e o que eu quero ainda não tem nome. Isso cansa mesmo, mas é assim que respiro, que vivo,que (não) durmo. Não tenho como fugir da minha ânsia de caminhar rumo ao indefinido. Frequentemente sonho que sou uma águia voando para nenhum lugar. Meu inconsciente deve estar por trás disso, Lacan, Freud, Frankl ou Deyna podem explicar.
Claro que vou sendo feliz no caminho. Mas acho que tristeza também faz bem. Solidão, idem. Não tenho vergonha em dizer isso. Aliás, esse post é bem "nu", sem máscaras. Pois é, a minha estabilidade é ser instável, por vezes feliz, triste, e quase sempre tendo uma vontade que não passa e que nem quero que passe. Mudo de humor, de interesses, de sonhos, de cores, de pele. Sou uma eterna mutação em busca de mim, experimentando ser diferente pra ver o que mais palpita. Meu coração é livre, tem asas, e por mais contraditório que seja, acabo amando demais, sentindo demais, (Alceu nos canta: "o coração dos aflitos pipoca dentro do peito") e o amor é quem me salva quando tudo isso parece impossível de se encaixar e ao mesmo tempo, me faz respirar e dizer que sou desassossegada sim...ainda bem.

E como bem sintetiza a Martha Medeiros:

"Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete constante, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade.Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam.Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam antes de concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam."


p.s: Pra quem não entendeu nada, "sossegue". ;)
p.s 2: Pra quem quer entender, pela poesia, o que se passa, o "livro do desassossego" , obra ímpar de Fernando Pessoa é ótimo. Pela "prosa", "Mentes Inquietas", da psiquiatra (sim!!!) Ana Beatriz Barros, é a pedida.
p.s 3: desassossegados do mundo, uni-vos!
A miséria do meu ser

A miséria do meu ser,
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.
Ninguém conhece quem sou
Nem eu mesmo me conheço
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.
É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto...
Sou assim. Mas isto é crível?

(Fernando Pessoa)

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Barbárie e caos.

Eu sei que utilizo o blog quase sempre pra falar de coisas boas e sentimentos que nos elevam,de alguma forma. Mas há ocasiões em que a perplexidade invade todos os espaços, principalmente nossa humanidade e sobre o sentido de ser, afinal, humano.
Meu irmão me liga nesta manhã, eu ainda dormindo, e diz: "tu nem vai acreditar,mas vê na televisão o que estou vendo ao vivo. " Corri e vi a notícia: um homem(?) e sua mulher(?) assassinaram uma família inteira com golpes de facão. Crianças de 2, 6 e 10 anos foram mutiladas. Uma delas se escondia no guarda-roupa quando teve as mãos decepadas pelos assassinos. Eu realmente não consigo entender até que ponto vai a maldade humana.
Não estou dizendo isso de modo clichê ou com aquele lamento inútil dos que "não tem nada a ver com isso". Como já disse outras vezes aqui no blog, vivo preocupada com a perda dos valores, dos significados,dos propósitos, do respeito à dignidade de uma pessoa. Mais que apenas preocupação, tento agir de modo coerente com o que acredito. E os mais primordiais ensinamentos sobre respeito ao próximo (não apenas vindos das pregações de Jesus, mas de muitos mil anos atrás, quando os antigos filósofos lembravam de não fazer com o outro o que não gostaríamos que fizessem conosco) estão sendo esquecidos, execrados, inutilizados por um mundo onde mais vale o bem próximo do que o bem do próximo, sempre.
O que Zygmunt Bauman fala sobre a "sociedade líquida", dos tempos líquidos, de tudo o que hoje se perde na fluidez dos tempos, em que nada é duradouro e propósitos sólidos são diluídos, é inteiramente verdadeiro. Basta ver o motivo dessa chacina. Qual foi? Bem, o algoz da família dissolvida não sabia o que explicar. Disse apenas que dias antes, havia partilhado uma galinha com a família assassinada (eles eram vizinhos) e ele e sua mulher haviam ficado com os pedaços menos nobres da ave.
Eu, realmente, não consigo suportar fatos como esse. E muitos dirão: mas o que sua indignação aqui no blog muda as coisas? Pode ser que realmente, não mude nada. Mas, apenas contemplarmos todos os dias o mal, como as pessoas sofrem, como a inação é permanente, e dizer que nada podemos fazer é uma desculpa fraca e pouco convincente, até mesmo para nós mesmos. Como o próprio Bauman diz: "Não há como negar que em nosso planeta abarrotado e intercomunicado dependemos todos uns dos outros e somos, num grau difícil de precisar, responsáveis pela situação dos demais; enfim, que o que se faz em uma parte do planeta tem um alcance global. "
Concordo com ele. E digo que não vou me acostumar nunca a notícias como essa. Vou continuar alertando a mim e aos que me são próximos para enxergarmos além do nosso próprio nariz, retirando o poder que a individualidade assume hoje para, ao menos alguma vez, nos preocuparmos com quem está ao nosso lado. Nossas crenças individuais não podem suplantar o respeito à vida humana, à dignidade do outro, à correlação existente entre o meu bem-estar e o seu. Podemos até não modificar coisa alguma no mundo, mas, por favor, não vamos, nem podemos, nem devemos deixar que o mundo nos modifique a ponto de sermos apenas mundanos, e não verdadeiramente humanos.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Se cada dia cai
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira do poço
da sombra
e pescar luz
caída com paciência.

(Pablo Neruda)