quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

(In)Decisão?

Lembro muito bem de uma decisão crucial que tomei aos 14 anos: ganhar uma festa de 15 anos ou viajar para Disney. Eu não queria nenhuma das opções, queria mesmo era fazer intercâmbio, mas minha mãe cismava que eu voltaria drogada ou grávida, e meu pai só tinha dinheiro para os 15 dias da viagem. Decidi, na hora, que queria viajar, festa não era importante pra mim. Lembro que pensei, naquela época, que a cada aniversário uma dose substancial de sabedoria viria junto das velinhas do bolo, e todas as minhas decisões seriam muito fáceis, pois eu seria uma adulta descolada e independente do tipo que sabe-muito-bem-o-que-quer. Que piada.

Hoje, quase quinze anos depois, sou uma adulta que ainda liga pra avó e pergunta o que deve fazer. Só que agora, as minhas escolhas mudam completamente a minha vida. Para sempre. Essa liberdade de escolha para mim sempre foi um infortúnio. Fui ler sobre o existencialismo de Sartre justamente por isso: pois enquanto o mundo considerava a liberdade uma maravilha (e realmente o é), para as pessoas indecisas, como eu, a liberdade de escolha sempre foi quase como uma condenação. Te condeno a não poder ter tudo, disse a Vida. E assim, a indecisão nasceu e ganhou vida eterna. Mário Prata disse uma definição genial para ela: "Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que deveria querer outra coisa."

Para Sartre e Nietzsche, o homem é inteiramente responsável por suas escolhas e por isto mesmo, "está condenado a ser livre". Para eles, gente que diz " Deixa a vida me levar", são aquelas pessoas que foram incapazes de decidir algo. Então, deixam-se à deriva, esperando que a Vida, ou Deus, ou o Destino, façam por elas o que elas não conseguiram fazer por si mesmas. E é claro que para esses filósofos, Deus não existe, tampouco astrologia, tarô ou qualquer outro "Ser" que possa prever nosso futuro a não ser nós mesmos, por nossas escolhas.

Para mim, Deus existe. Deus me ajuda a acalmar meu coração e a aquietar minha mente, mas nunca pus nEle a responsabilidade de decidir meu destino. Acredito que eu que faço meu caminho, com a ajuda Dele, mas sou eu que tenho o livre-arbítrio. E esse livre-arbítrio é que traz a angústia de não saber. Simplesmente não sabemos o que vai ser melhor para nós. Nós apenas deduzimos, e tendo por base essa simples"dedução" é que escolhemos. Ou seja, a gente pode acertar ou não, mas a responsabilidade será sempre nossa.

Antes de se jogar do prédio (hehehe), tenhamos esperança. Voltando a falar de Deus e de Sartre (como assim?!), eu acho que descobri uma boa estratégia para escolher sem sofrer tanto: O existencialista francês dizia, assim como Hegel e Martin Buber, que nós só conseguimos 'ser quem podemos ser' através do outro. É o outro que nos faz ter contato com partes de nós que sequer conhecíamos, que nos faz conhecer nossa própria essência. E é exatamente essa convivência que nos dá a certeza de que estamos fazendo as escolhas certas, pois nos sentimos como parte no mundo. E é onde Deus se esconde, nas pessoas. Tem gente que chega, nos mostra ou nos diz alguma 'coisa' que nos impulsiona. Eu acredito que esse "impulso" é o próprio Deus chacoalhando nosso coração e dizendo: "Escolhe esse caminho que vc vai ser feliz, meu filho!". E é esse impulso vital que devemos procurar. Tudo aquilo que nos move, que nos dá prazer, que nos faz sentir adequados no tempo e no lugar em que estamos, tem a imensa probabilidade de ser aquilo que Deus desejou para nós. 

Vamos escolher, portanto, o que faz nosso coração bater com mais força...não com a força mortal da ansiedade, mas com a força vital do desejo. Desejo de "tornar-se", de ser aquilo que podemos ser, com a consciência de que não há escolha sem renúncia, e que a liberdade plena é saber que para cada escolha, há uma ou várias responsabilidades. Sabendo disso, ouso tomar a frase que já falei do Mário Prata para definir, agora, o que seja DECISÃO: "É quando você sabe muito bem o que quer e acha que não deveria querer outra coisa"...

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Metade (Oswaldo Montenegro)

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio;
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca; 
Porque metade de mim é o que eu grito,
Mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
Seja linda, ainda que tristeza;
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada 
Mesmo que distante;
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade...

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
E nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta 
A um homem inundado de sentimentos;
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo...

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço;
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada;
Porque metade de mim é o que penso 
Mas a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo
Se torne ao menos suportável;
Que o espelho reflita em meu rosto
Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
A outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria 
para me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais;
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço...

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade para faze-la florescer;
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção...

E que a minha loucura seja perdoada 
Porque metade de mim é amor
E a outra metade... também.
Amor, então, também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei é que se transforma
numa matéria-prima que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.


Paulo Leminski

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Texto de Ana Jácomo

Quando as pessoas falam melhor que nós sobre o que queríamos dizer, é obrigatório compartilhar...


Desejo que a sua vida inteira seja abençoada, cada pequenino trecho dela, em toda a sua extensão. Que cada bênção abrace também as pessoas que ama e seja tão vasta que leve abraço a outros tantos seres, sobretudo àqueles que mais sofrem, seja lá por que sofrem. Desejo que os nós que apertam o seu coração sejam gentilmente desatados e que os sentimentos que os formaram se transformem na abertura capaz de criar belos laços de afeto. Desejo que o seu melhor sorriso, esse aí tão lindo, aconteça incontáveis vezes pelo caminho. Que cada um deles crie mais espaço em você. Que cada um deles cure um pouco mais o que ainda lhe dói. Que cada um deles cante uma luz que, mesmo que ninguém perceba, amacie um bocadinho as durezas do mundo.
Desejo que volte para o seu mar quantas vezes forem necessárias até encontrar o seu tesouro. Que quando encontrá-lo, não seja avarento. Que descubra maneiras para compartilhar a sua felicidade, o jeito mais gostoso para se expandir a riqueza. Desejo que quando os ventos da mudança ventarem mais forte, e sentir medo de ser carregado junto com tudo o que parecerem arrastar, você já conheça o lugar onde nada pode arrastá-lo. Que já saiba maneiras de respirar mais macio, quando as circunstâncias lhe encurtarem o fôlego. Que, com o passar do tempo, a sua alma se torne cada vez mais maleável, mas que seja firme o bastante para nunca desistir de você.
Desejo que tudo o que mais lhe importa floresça. Que cada florescimento seja tão risonho e amoroso que atraia os pássaros com o seu canto, as borboletas com as suas cores, o toque do sol com seu calor mais terno, e a chuva que derrama de nuvens infladas de paz. Desejo que, mais vezes, além de molhar só os pés, você possa entrar na praia da poesia da vida com o coração inteiro e brincar com a ideia que cada onda diz. Que, ao experimentar um caixote ou outro, não se arrependa por ter entrado na água, nem desista de brincar. Todo mundo experimenta um caixote ou outro, às vezes um monte deles, quando se arrisca a viver. O outro jeito é estar morto. O outro jeito é não sentir.
Desejo que não tenha tanta pressa que esqueça de colher estrelas com os olhos nas noites em que o céu vira jardim, e levar para plantar no seu coração as mudas daquelas mais luzentes. Que tenha sabedoria para encontrar descanso e alimento nas coisas mais simples da vida. Que a cada manhã a sua coragem acorde bem juntinho de você, sorria pra você, e o convide para viverem uma história toda nova, apesar do cenário aparentemente costumeiro. Que tenha saúde no corpo, saúde na alma, saúde à beça.
Desejo que encontre maneiras para se fazer feliz no intervalo entre o instante em que cada dia acorda e o instante em que ele se deita pra dormir, porque a verdade é que a gente não sabe se tem outro dia. Que quanto mais passar a sua alma a limpo, mais descubra, mais desnude, mais partilhe, com medo cada vez menor, a beleza que desde sempre você é. Que se sinta livre e louco o bastante pra deixar a sua essência florir.
Não importa quanto tempo passe, não importa onde eu esteja, não importa onde esteja você, abra os olhos pra dentro e ouça: o meu coração estará dizendo esta mesma prece de amor para o seu. Amor incondicional, exatamente como neste instante. Não importa o quanto a gente mude, o quanto a distância aparente nos afastar, isto que sinto por você, eu sei, não muda nunca mais.
(“Prece para quem se ama”, Ana Jácomo)